Thursday, 10 March 2016
CONFLICTOS RESEX
O Instituto Socioambiental (ISA) é uma associação sem fins lucrativos, qualificada como
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994,
por pessoas com formação e experiência marcante na luta por direitos sociais e ambientais.
Tem como objetivo defender bens e direitos sociais, coletivos e difusos, relativos ao meio
ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. O ISA produz estudos e
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valorizando a diversidade cultural e biológica do país.
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Pesquisa e elaboração do relatório:
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2
Sumário
Introdução................................................................................................................. 05
1. Os descaminhos fundiários do Pará: a apropriação privada do patrimônio
público fundiário................................................................................................... 08
1.1. Balanço da Legislação fundiária paraense................................................... 08
1.1.1. A necessidade da legitimação dos títulos de posse e a caducidade
das posses não legitimadas............................................................................. 09
1.1.2. Os limites impostos pela legislação ao tamanho das posses............. 12
1.2. A federalização das terras paraenses nos anos 70....................................... 17
1.3. Contextualização histórica da ocupação das terras..................................... 22
2. Ameaças à posse e à integridade da Resex do Iriri............................................. 31
2.1. Vargas & Vargas, “um jerico e um dodge amarelo”......................................32.
2.2. Juvilândia: “o direito do descobridor”........................................................... 43
2.2.1. O contexto histórico da chegada de Júlio Vito Pentagna
Guimarães, em meados dos anos 70....................................................43
2.2.2. A devastação patrocinada....................................................................51
2.2.3. A pecuária.............................................................................................53
2.2.4. A madeira..............................................................................................55
2.2.5. A terra: grilagem e colonização............................................................58
2.2.5.1. Dominialidade das terras sob controle da Juvilândia...............58
2.2.5.2. Vícios evidentes nas matrículas dos imóveis
apoderados pela Juvilândia.........................................................80
3
2.2.6. Situação da área ocupada pela Juvilândia..........................................82
2.2.6.1. Os limites e os pólos de ocupação................................................82
2.2.6.2. Violência e coação: protocolos para a “limpeza” da área............92
2.2.6.3. Fluxos de ocupação da população tradicional............................96
2.3. Fazenda Bacuri.............................................................................................100
2.4. Fazenda Rio Bonito/Água Preta...................................................................114
2.5. TI Cachoeira Seca e outras “portas” a invasores da Resex Rio Iriri.......................123
2.5.1. TI Cachoeira Seca..........................................................................................127
2.5.2. APA Triunfo do Xingu....................................................................................130
2.5.3. Canopus..........................................................................................................132
3. Considerações finais e propostas de
encaminhamentos................................................................................................134
3.1. Unidades de conservação como inibidores e como “selecionadores” de
desmatamento, grilagem e extração clandestina de madeira.......................................135
4
Introdução
As modalidades de unidades de conservação que compõem o mosaico
da Terra do Meio são definidas pelo Snuc1 (Sistema Nacional de Unidades
de Conservação) como de domínio público e, no caso específico da Apa do
Triunfo, comporta a propriedade privada. No caso das Resex e Florestas
Nacionais ou Estaduais, deverá haver a incorporação da área ao patrimônio
público, sem prejuízo do uso e da ocupação dessas unidades de conservação
por populações tradicionais. Assim, como explica o Procurador do Estado do
Pará, Ibraim Rocha,
a regularização fundiária de unidades de conservação implica não só o
estudo da forma de consolidação do seu domínio se público ou privado, mas
também os limites sobre uso dos recursos por parte tanto de proprietários
particulares na área [específicos à Apa do Triunfo] como por populações
tradicionais.2
Porém, a extensão do conceito de regularização fundiária às formas de
ocupações tradicionais sempre ficou relegada ou prejudicada ante a árdua
tarefa de se proceder a etapa de definição e ajustes dominiais das áreas das
unidades de conservação.
Na prática, o plano de manejo das unidades de conservação e a
concessão de direito real de uso (no caso das Resex) são condicionadas à
regularização fundiária da reserva. Ou seja, enquanto não houver a
1 Lei 9.985 de 18 de julho de 2000, que regulamenta o art. 225, # 1º. da Constituição Federal.
2 ROCHA, Ibraim José das Mercês. “Posse e domínio na regularização de unidades de conservação.
Análise de um amazônida”. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 64, abr. 2003. p. 13. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3972>. Acesso em: dez. 2005.
5
arrecadação das terras e a subseqüente titulação em nome do órgão gestor, a
implementação da unidade de conservação fica comprometida em diversos
de seus quesitos, inclusive, no tocante ao acesso às substanciais verbas
disponibilizadas pelos mecanismos de “compensação ambiental”.
Para se mensurar a seriedade do que isso representa, pode-se
lembrar, por exemplo, que a grande maioria das Resex ainda não têm o
processo de regularização fundiária terminado. A bem da verdade, ao menos
se sabe qual o melhor procedimento a ser adotado. O lodo fundiário da
Amazônia, e, em especial do Pará, faz do termo “regularização fundiária”
algo mitificado e entendido nas acepções mais diversas: da legitimação de
imensos latifúndios grilados até – e como a entendemos – um levantamento
seguido dos devidos procedimentos identificando minuciosamente o que são
terras públicas, devolutas, apossadas, com títulos fraudados, posses
passíveis ou não de legitimação etc.
Este trabalho – que não pretende ir além de um levantamento
preliminar e sumário – objetiva identificar as peculiaridades do interflúvio
Xingu-Iriri que representam embaraços e complicadores no processo de
regularização fundiária das unidades de conservação e servir como insumo
para se pensar quais estratégias podem ser adotadas. Não se trata de uma
análise jurídica, mas, à luz a legislação vigente, de uma descrição analítica
das relações sociais, econômicas, políticas observadas na fronteira da Terra
do Meio.
A tarefa justifica-se à medida que esse quadro é fundamental para
traduzir as estruturas que se grafam naquele território, que se “geografam”,
permitindo uma compreensão dos diversos – e muitas vezes
relacionados – processos de ocupação e apropriação da área de interesse.
O trabalho centrou-se nas porções das unidades de conservação
próximas ao rio Iriri, mais precisamente, entre o Porto Maribel e o limite
Sul da Resex do Iriri. Desse trecho, contamos com um acervo mais
significativo de informações de campo, porém, em diferentes níveis, sempre
especificados, ofereceremos uma análise que se estende a um maior raio na
Terra do Meio.
6
A princípio, nosso foco era fechado às ocupações de terras,
encabeçadas por grileiros e por eventuais sujeitos que não se enquadrassem
no perfil da população tradicional das Resex do rio Iriri. Ou seja, identificar
os responsáveis pelas detenções de posse de terras dentro das unidades de
conservação não compatíveis com sua destinação. Isso foi levado a cabo3 com
a preocupação de reunir elementos de valor comprobatório a fim de basear
eventuais ações contra esses agentes.
Porém, no decorrer do trabalho, ficou evidente a percepção da
necessidade de ir além de fornecermos subsídios para a efetivação da
tomada da posse, pelo órgão gestor das unidades de conservação, das terras
ocupadas por grileiros e (eventualmente) fazendeiros. Haveríamos, também,
que desenvolver uma análise para se pensar o processo de formalização da
regularização fundiária, com a efetivação da titulação das terras aos seus
devidos detentores.
Inicialmente, relataremos um breve histórico das transformações da
situação fundiária, em especial, nos tópicos pertinentes à Terra do Meio. Tal
embasamento é elementar para entendermos o protocolo da grilagem na
região e no que isso direciona o trabalho de regularização fundiária.
A seguir, abordaremos alguns casos de grilagem às margens do rio
Iriri, tentando enquadrá-los nos fluxos de apropriação da terra.
E, por fim, analisaremos as dinâmicas e os agentes sociais, pontuando,
brevemente, os mais agudos conflitos o propondo linhas gerais para um plano
de ação.
3 Registre-se a lacuna referente à Fazenda Jatobá, da qual obtivemos muito poucas informações.
7
1. Os descaminhos fundiários do Pará: a apropriação
privada do patrimônio público fundiário.
A grande maioria das matrículas imobiliárias que documentam
supostas propriedades na Terra do Meio tem origem em Títulos de Posse
concedidos pelo governo estadual. Algumas poucas remetem às cartas de
sesmarias. Tanto essas como aquelas, foram expedidas segundo legislação
específica que regulamentavam limites de área, condições para legitimação,
necessidade de determinados trâmites etc. A quase totalidade dos títulos
dominiais da Terra do Meio apresenta flagrantes faltas de sincretismo com
essa legislação, evidenciando, de pronto, embasamento para cancelamento
do registro imobiliário.
Face a isso, apresentamos a seguir, um breve resumo da legislação
que regeu essas concessões, ressaltando as comumente desobedecidas.
1.1 Balanço da Legislação fundiária paraense
A proclamação da República transfere todos os bens pertencentes à
Casa Imperial para a Nação. Em seguida, o artigo 64 da Constituição
Republicana de 1891, determinava que as terras devolutas deixassem de
8
pertencer à União, passando aos estados da Federação, que adotariam
políticas fundiárias próprias.1
A outorga das posses era delegada às, então chamadas, Intendências
Municipais, equivalentes à prefeituras, o que perdurou até à edição da Lei
Estadual n.º 1.108, de 06/11/1909, quando somente o Estado podia concedêlas.
Para José de Souza Martins,
Essa decisão representou de fato um prêmio para as chamadas oligarquias
regionais e a condição para a sustentação política do regime republicano [...]
Por esse meio as classes dominantes de cada estado podiam distribuir as
terras públicas de acordo com seus interesses econômicos e políticos aos seus
próprios membros, aos cabos eleitorais, clientes e protegidos.2
O Pará, já em sua primeira norma jurídica, o Decreto n.º 410 de
08/10/1891, regulamentado em 28/10/1891, criou um instrumento jurídico
inédito no direito brasileiro denominado de "Título de Posse". Foi o único
estado a instituir tal sistema de concessão de posses. O Decreto n.º 410/1891,
excluía da condição de terra devoluta as posses sujeitas à legitimação (§3º), o
que incluía as posses registradas (art. 5º, § 2º). Tal resolução referia-se ao
registro de posses do direito imperial e as “posses de terras com cultura
efetiva e morada habitual, que tenham sido estabelecidas, sem protesto ou
oposição, antes de 15 de novembro de 1889, mantidas sem interrupção
depois dessa data.”
1.1.1 A necessidade da legitimação dos títulos de posse e a
caducidade das posses não legitimadas.
1 Cf. FOSTER, Germano de Rezende. A privatização das terras rurais. Barueri, Manole, 2003. SMITH,
Roberto. Propriedade da terra & transição: estudo da formação da propriedade privada da terra e
transição para o capitalismo no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990.
2 MARTINS, José de Souza. A militarização da questão agrária no Brasil (terra e poder: o problema da
terra na crise política). Petrópolis, Vozes, 1984. p. 20.
9
Para se compreender o motivo da existência de um registro de posses
na então recentemente instituída ordem republicana, necessário atentar
para o fato de que as incipientes normas agrárias paraenses contemplavam
expressamente a vedação de novos apossamentos de terras públicas
devolutas.3 Afinada com essa linha-matriz constitucional e política de
incolumidade do patrimônio fundiário devoluto, foi instituída a
obrigatoriedade do registro das preexistentes posses e títulos de domínio.4
O fato, todavia, dessas posses serem tituladas ou legitimáveis, como
dispunha o Decreto nº 410/1891, não significava domínio privado. Como se
explica o jurista Paulo Lamarão:
Para que essa posse, como todas as demais, fosse considerada domínio, era
necessário, desde os meados do século passado [isto é, século XIX], que ela
fosse legitimada. Isso implicava, sobretudo, fosse ela demarcada, ocupada, e
seu detentor pagasse os emolumentos da tabela em vigor no momento da
legitimação. Desde 1891, portanto, os requisitos da demarcação, ocupação e
pagamento do preço da terra, sempre foram indispensáveis para se obter o
domínio de determinada área de terra cuja posse já houvesse sido
contemplada com o respectivo título.5 [grifos nossos]
Entretanto, tal impedimento não foi ordinariamente respeitado pelos
cartorários, como lembra ainda Lamarão:
O que sucedeu foi que esses documentos [isto é, os registros de posse
tituláveis], a partir de 1917, quando tornou-se obrigatório o Registro
Imobiliário com a entrada em vigor do Código Civil, foram levados a registro
no antigo livro três (3), de Transmissão de propriedade, após transitarem
em Juízo em decorrência de inventários, execuções, hipotecas, ações
3 Cf. Artigos 1º e 2º da Lei Imperial n.º 601/1850; art. 20 do Decreto Imperial n.º 1.318/1854, e art. 114
do Decreto Federal n.º 10.105/13.
4 Cf. Artigos 91 do Decreto Imperial n.º 1.318/1854; arts. 19 e 24 do Decreto Federal n.º 10.105/1913;
bem como, entre as leis do Estado do Pará, art. 16 do Decreto nº 410/1891; arts. 48, 120 e 133 do
Regulamento anexo do Decreto n.º 410/1891; art. 18 da Lei n.º 82/1892; art. 11 do Decreto n.º
1.021/1901; art. 157 do Regulamento anexo da Lei n.º 1.108/1909; art. 177 do Decreto n.º 3.791/1921;
art. 210 do Decreto n.º 1.044/1933.
5 LAMARÃO, Paulo. Comentários à Legislação de Terras do Estado – Outros Ensaios. Belém, Grafisa,
s/d. p. 98.
10
demarcatórias, etc. Oficial do Registro Imobiliário, desconhecendo a
natureza da documentação e a legislação vigente, limitava-se a transcrevêla,
embora de boa-fé, irregularmente, no livro impróprio, gerando assim, a
partir desse registro principal, uma cadeia sucessória como se se tratasse de
propriedade, quando na verdade não era.6 [grifos nossos]
Ou seja, uma vez existente o registro de posse de certo imóvel, para
que seu titular se torne proprietário é necessário que obtenha a legitimação
do registro, através dos expedientes procedimentais disciplinados pela
legislação fundiária estadual.
O Provimento n.º 13/2006-CJCI, também comenta que “tais títulos de
posse (outorgados pelo Estado ou pelas Intendências), para se transformar
em propriedade e serem aptos à matrícula no registro de imóveis, estavam
sujeitos à legitimação”7. E comenta, também, que aqueles não legitimados
até 1996 não são mais aptos para tal: “através do Decreto Estadual nº 1.054,
de 14/02/1996, foi declarada a caducidade de todos os títulos de posse não
legitimados”.8
Na imensa maioria das vezes, esses títulos foram levados a registro e
tiveram matricula aberta sem passarem pelo obrigatório processo de
Legitimação da Posse e, portanto, sendo evidente sua caducidade.
Em uma das matrículas que integram a fazenda Juvilândia, por
exemplo, temos as seguintes informações:
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Posse denominada Rio Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-D FOLHAS: 5vº/6vº
MATRÍCULA: 2.533
DATA: 09/03/1979
ÁREA: 654.275,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester
Indústria e Comércio Ltda.
6 Ibid., p. 98s.
7 PARÁ. Poder Judiciário. Corregedoria do Interior. “Provimento n° 013/2006-CJCI”. Diário da Justiça.
nº. 3672, 23 jun. 2006.
8 Id.
11
Não há nenhuma prova de submissão de tais títulos aos
procedimentos de legitimação e, o próprio titular da atual titular, Julio Vito
Pentagna Guimarães, afirma não ter conhecimento de que sua posse tenha
passado por tal processo de legitimação.9
1.1.2 Os limites impostos pela legislação ao tamanho das
posses.
Além disso, a área da posse, 654.245 ha é extravagantemente acima
de qualquer limite estipulado por toda a legislação que sempre estabeleceu
áreas máximas que pudessem ser concedidas.
E esse não é um caso isolado, os limites em relação ao tamanho das
posses são, comumente, aviltantemente desrespeitado, como vemos pelo
levantamento da legislação fundiária que segue10:
As posses concedidas pelo estado do Pará, inicialmente, regidas pelo
Decreto n.º 410, de 8/10/1891, determinavam que:
§ 2.º – A área total de posses havidas por ocupação primária em virtude
desta lei nunca poderá exceder os seguintes limites: em terras de lavoura,
1.089 hectares; em campos de criação, 4.356 hectares, e em seringais 545
hectares.
Esse Decreto foi substituído pela Lei n.º 82, de 15/09/1892 e essa pela
Lei n.º 1.108, de 6/11/1909. Em nenhum dos casos, se alterou os limites préestabelecidos,
o que veio a acontecer, somente com o Decreto 1.686, de
23/04/1910, que determinava:
9 Julio Vito Pentagna Guimarães, comunicação pessoal, Rio de Janeiro, fev. 2008.
10 A legislação apresentada a seguir foi compilada a partir do Parecer/CAPJP/CJ/M/DA/Nº006/2004
(JMPJ) (fls. 391/420), convertido em Orientação Técnica de Consultoria da Consultoria Jurídica do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, um exame exaustivo de todas as disposições do direito fundiário
paraense referentes a limites máximos dos quantitativos das posses registráveis e tituláveis nesse Estado,
demonstrando que invariavelmente a legislação paraense jamais permitiu outorga de terras com área
superior a 4.356 hectares.
12
Art. 7.º – As terras devolutas destinadas a serem vendidas depois de
medidas, demarcadas e divididas, constituirão lotes rurais ou agrícolas e
lotes urbanos.
1 – Os lotes rurais ou agrícolas não terão área superior a 30 hectares.
Em 25/06/1931, o Decreto n.º 397 estabelece a modalidade de
concessão de castanhais e fixa o limite máximo para sua extensão:
Art. 1.º – Fica permitida a venda de terras de castanhais em lotes de até
4.356 hectares (uma légua quadrada) à razão de seis mil réis (6$000) o
hectare e obedecendo as prescrições legais do Regulamento de Terras do
Estado, ficando proibida a venda de mais de dois lotes a cada pessoa.
Em 11/11/1938, o Decreto n.º 3.143 amplia os limites para o
arrendamento de terras do Estado do Pará e fixa prazo para tal
arrendamento:
Art. 16 – (...) § Único – Tratando-se, entretanto de áreas centrais e
longíncuas, desabitadas e jamais exploradas, poderão as mesmas, a título de
estímulo e garantia para o seu necessário beneficiamento, serem arrendadas
sob condições especiais, pelo prazo máximo de dez anos e com área de até
10.000 hectares, a critério do Governo.
Em 10/03/1954, nova alteração pela Lei n.º 762:
Art. 10 – As terras devolutas do Estado não serão vendidas em área superior
a 100 hectares e pela mesma será cobrada do adquirente a quantia de 25
cruzeiros (CR$ 25) por hectare, cujo recolhimento será efetuado na forma do
que determina o artigo 8.º desta Lei.
Com a Lei n.º 3.641, de 5/01/1966, novos limites:
Art. 68 – É proibida a alienação ou concessão de terras públicas, com áreas
superiores a três mil (3.000) hectares.
13
Art. 71 - (...) § 1.º – Quando forem alienadas ou concedidas terras públicas
contrariando as normas legais estabelecidas, o Poder Executivo deverá
cancelar administrativamente o ato antes praticado.
E o Decreto 54, de 22/08/1969, determina:
Art. 18 – Expedido o Título Provisório, o Governo solicitará autorização para
venda à Assembléia Legislativa ou ao Senado Federal, conforme a área
requerida seja superior a 100 ou 3.000 hectares, respectivamente.
E, dois meses depois,em 29/10/1969, a Emenda Constitucional n.º 1 da
Constituição do Estado do Pará estabelece:
Art. 147 – Salvo para execução de planos de reforma agrária, não se fará,
sem prévia aprovação do Senado Federal, alienação ou concessão de terras
públicas com área superior a três mil hectares.
A Lei n.º 4.584, de 8/10/1975, torna a deixar claríssimos os limites das
posses concedidas pelo governo estadual passíveis de serem legitimadas:
Art. 29 – (...) § 2.º – A extensão de cada lote legitimável será a constante do
respectivo registro, não podendo exceder, salvo quando concedido sob regime
legal diferente, de 1.089 hectares quando as terras se destinarem à
indústria extrativa, 2.178 hectares quando se destinarem à lavoura, e 4.356
hectares quando se destinarem à pecuária, conforme art. 4.º da Lei n.º 1.741,
de 18/11/1918, revigorado pelo artigo 254, do decreto n.º 1.044, de 19 de
agosto de 1933.
Desse modo, percebemos que a legislação paraense de terras, desde o
seu primórdio, limitou o quantitativo de destinação de terras, variando de 25
ha a 4.356 ha – com algumas exceções veiculadas por lei especial –
dependendo da época de vigência da legislação, aptidão agrícola dessas
terras e nos casos de regularização de áreas superiores ao estatuído na lei
14
vigente, dependiam de aprovação da Assembléia Legislativa ou do Senado
Federal.
Além da restrição ao tamanho da área a ser titulada pelo Estado do
Pará, a legislação estadual também impunha aos proprietários outra
condições para conferir legitimidade aos seus títulos, conforme relacionado a
seguir:
Lei n.º 1.137, de 11/03/1955:
Art. 12 – Quaisquer processos de venda ou arrendamento de bens móveis ou
imóveis do patrimônio do Estado só se reputarão perfeitos depois de
registrado no Tribunal de Contas do Estado.
Decreto n.º 5.780, de 27/11/1967:
Art. 155 – Ficam obrigados ao cadastro, no Departamento de Terras e
Cadastro Rural todos os títulos expedidos pelo Governo, anteriores à lei ora
regulamentada.
Decreto-Lei n.º 57, de 22/08/1969:
Art. 56 – É obrigatório o registro de todos os Títulos existentes sobre terras
que sejam ou tenham sido do Estado.
Art. 57 – Nenhum Título de Terra será considerado perfeito, antes de
registrado na SAGRI. [atual ITERPA]
Art. 101 – Os Títulos Provisórios ou Definitivos que a SAGRI considerar
irregulares em face da Lei 762/54 poderão ser substituídos por títulos da
mesma espécie, desde que satisfaçam as seguintes condições:
a – haver a alienação sido regularmente processada, consistindo a
irregularidade exclusivamente no excesso da respectiva área; [......]
Decreto n.º 7.454, de 19/02/1971:
15
§ 3.º – Quando a área exceder de 100 (cem) ou de 3.000 (três mil) hectares, a
expedição do Título Definitivo dependerá de autorização da Assembléia
Legislativa ou do Senado Federal, respectivamente.
Decreto n.º 9.094, de 15/04/1975:
Art. 7.º – Em todos os serviços públicos do Estado, quer da administração
direta, quer da indireta, inclusive autarquias, entidades paraestatais e
sociedades de economia mista, deverá ser rigorosamente exigido o cadastro
dos títulos de alienação de terras expedidos após a vigência do Decreto n.º
7.454, de 19.02.71.
Lei n.º 4.584, de 08/10/1975:
Art. 88 – Os atuais possuidores de títulos que tiverem sido ou vierem a ser
declarados nulos por irregularidades anteriores a 15 de junho de 1964,
poderão, até 90 (noventa) dias após a declaração de nulidade, requerer a
compra das mesmas áreas, em condições especiais, desde que satisfaçam os
seguintes requisitos:
a) entregarem seus títulos para exame no ITERPA, se anteriormente
já não o houverem feito, até 31 de dezembro de 1976;
[.....]
Art. 101 – Os Títulos expedidos durante a vigência da Lei n.º 762/54 que o
ITERPA considerar irregulares por ultrapassarem o limite de cem hectares
(100 ha) nela estipulado, poderão ser revalidados desde que satisfaçam as
seguintes condições:
a) haver a alienação sido regularmente processada e não existirem
indícios, a critério do ITERPA, de que os titulares hajam participado,
direta ou indiretamente, de atos que tenham motivado ou possam
motivar a nulidade desse ou de quaisquer outros títulos expedidos
pelo Estado;
[.....]
§ 1.º – Os interessados deverão requerer a revalidação até 31 de dezembro
de 1976, sob pena de seus títulos serem declarados, administrativamente,
nulos, presumindo-se que renunciaram a quaisquer direitos, promovendo o
16
ITERPA o cancelamento do registro imobiliário, se houver, e a reversão das
terras ao patrimônio devoluto do Estado.
Após a compilação da legislação agrária paraense, apreende-se que o
permissivo legal de titulação de terras pelo Estado do Pará limita em 4.356
ha a área máxima regularizáveis pelo Estado.
Cabe lembrar que além da legislação estadual, também, as
Constituições da República definiram limites para a alienação de terras
públicas sem autorização do Senado da República. A Constituição Federal
de 1934 (art. 130) estabeleceu o limite de 10.000 ha. A Constituição de 1937
(art. 155) conservou esse limite, alterado pela Constituição de 1946, através
da Emenda Constitucional n.º 10, de 09/11/1964, (art. 6º) reduziu esse limite
para 3.000 ha, a Constituição de 1967, em seu art.154, nada alterou, e a
atual Constituição da República de 1988, art. 49, reduz para 2.500 ha.
1.2 A federalização das terras paraenses nos anos 70
Em 1971, no sugestivo dia 1º de abril, Médici assina o Decreto 1.164 e
uma faixa de 200 km ao longo todas as rodovias federais, implantadas, em
construção e, até, planejadas, passa ao controle do governo federal, mais
especificamente, do Incra. Ariovaldo Umbelino de Oliveira comenta:
Foi um verdadeiro confisco de terras devolutas que antes eram da alçada
dos estados. Ao mesmo tempo que o Governo Federal adquiria poderes pela
nova legislação de terras, para autorizar o não cumprimento da dimensão
dos módulos previstos em lei, quer para a empresa nacional, quer para a
empresa multinacional.11
O governo da época considerava essas terras essenciais à segurança e
ao desenvolvimento nacional. Ronaldo Barata é ainda mais enfático ao
11 OLIVEIRA, A. U. de. A fronteira amazônica mato-grossense: grilagem, corrupção e violência. São
Paulo, 1997. Tese (Livre-docência em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo. p. 87.
17
afirmar que “o Pará foi vítima do maior espólio que um estado já sofreu” e
complementa que o governo federal,
num passe de mágica e sem consultar o estado, sem ouvir a classe política,
transferiu para o domínio da União todas as terras situadas numa faixa de
cem quilômetros às margens das rodovias federais construídas ou em
construção na Amazônia. Um segundo decreto assegurou para o domínio da
União os cem quilômetros laterais das estradas “projetadas”. Nesse dia o
Pará perdeu 70% do seu território, cuja administração evidentemente
passou para os órgãos federais. E a inexistência do diálogo entre os órgãos
federais e os estaduais gerou um caos na questão fundiária paraense.12
Barata atribui, a esses fatos, um imenso número de conflitos, pois
algo em torno de 6 milhões de hectares já tinham sido alienados pelo estado
do Pará entre os anos de 1955 e 196413. O governo estadual não tinha
controle do que alienava e os adquirentes, em sua maciça maioria eram do
centro-sul e sequer imaginavam onde ficavam essas terras, que só servialhes,
então, como reserva de capital. Com a abertura das rodovias, essa
situação mudou. Ocorre uma valorização das terras e esses compradores
foram atrás dessas terras. Eis então que se estabelece uma trágica e
kafkiana situação: deparam-se, frente a frente, os colonos, com títulos
federais, e os investidores do centro-sul, com títulos estaduais. A “Lei do cão”
é o instrumento para se resolver a demanda. E pior, muitas vezes com o
auxílio da própria Polícia Militar, que passa a ser um instrumento, a serviço
dos grandes proprietários de terras, de opressão contra os posseiros.
No Mapa 1, pode-se observar a faixa de abrangência do Decreto
1.164/71.
12 BARATA, R. “O terror e as artimanhas da contra-reforma agrária paraense”. In: CARUSO, M. M. L.;
CARUSO, R. Amazônia, a valsa da galáxia. Florianópolis: Ed. da Ufsc, 2000. p. 189.
13 Id., p. 190.
18
Mapa 1
19
O Decreto-Lei n.º 1.164 foi revogado somente depois de dezessete
anos. Em novembro de 1987, o Decreto-Lei n.º 2.375 devolve ao Estado do
Pará as áreas abrangidas pela federalização e que, até essa data não haviam
sido arrecadadas pelo governo federal. Isto é, não foram inscritas em nome
da União pela Secretaria de Patrimônio da União, como também não o
foram nos cartórios de registro imobiliário das respectivas Comarcas.
Paraguassu Éleres explica que em abril de 1995, “foi nomeada uma
comissão de técnicos do Iterpa (Decreto 271) para operacionalizar a
reincorporação que o Pará aguardava há sete anos”14. Porém, segundo
Éleres, tal comissão enfrentou grande resistência do Incra até mesmo em
fornecer uma elementar lista de quais glebas haviam sido arrecadadas.
Em 20 de outubro de 1995, dois decretos, um presidencial e outro
estadual, criaram o GT-Pará objetivando encontrar diretrizes para o
problema fundiário do Pará.15
Nas palavras do consagrado jurista paraense Otávio Mendonça,
houve uma grande comissão, constituída de Ministros, representantes do
INCRA, representantes do ITERPA, Governador do Pará etc., para restituir
ao Estado Pará aquilo que tivesse sobrado desse esbulho fundiário feito pelo
Decreto-Lei n.º 1.164. Sucede que essa comissão nunca chegou a um resultado
final. Presumo que aquilo que tenha sido restituído para o Estado do Pará
deve ter sido não mais que a terça parte, se tanto, daquilo que tinha saído.
Por que não foi o restante? Por vários motivos. Primeiro, porque o INCRA
muitas vezes tinha feito loteamento, depois porque tinha dado vários tipos de
títulos de propriedade, títulos de contenção, títulos de cooperativa e de fé e
depois porque não tinha demarcado, tinha arrecadado, não sabia onde era.16.
No Mapa 2, observamos as glebas, inicialmente federalizadas, onde
foram procedidas as ações discriminatórias ou mesmo a arrecadação
sumária.
14 ÉLERES, Paraguassu. Intervenção Territorial Federal na Amazônia. Belém, Imprensa Oficial do
Estado, 2002. p. 132.
15 Cf. ÉLERES, op. cit.
16 Otávio Mendonça em proferimento à CPI - Tráfico De Animais E Plantas Silvestres. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/Internet/comissao/index/cpi/Trafico_nt141202.doc Acessado fev./2008.
[Grifos nossos]
20
Mapa 2
21
É importante esclarecer que se entende por:
Glebas arrecadadas sumariamente – correspondem às áreas
arrecadadas pelo poder público, após levantamento cartorial, sem
comprovação de domínio privado, mediante procedimento discriminatório
simplificado.
Glebas discriminadas – áreas que passaram por ações
discriminatórias, resultantes em áreas livres, remanescentes de ocupação
particular, que são matriculadas em nome da União.
Polígono de Altamira – Gleba desapropriada pelo Incra por força do
Decreto n.º 68.443 de 29/03/1971. A desapropriação justificou-se para fins de
implantação de projetos de reforma agrária e núcleos de colonização.
1.3 Contextualização histórica da ocupação das terras.
Últimas décadas do século XIX. O mercado da borracha explodia
enfrentando, como fator limitante, a escassez de mão-de-obra e a resistência
indígena em defesa de seus territórios e de sua liberdade. A alternativa
encontrada foi um programa de imigração nordestina para áreas de
seringais, financiado pelas casas aviadoras de Belém e Manaus. Segundo
Octávio Ianni, “Muitos foram os nordestinos levados para os trabalhos da
borracha. Ao lado do caboclo e do índio amazônicos, o nordestino representou
um contingente muito importante da mão-de-obra dedicada à borracha.
Muitos eram principalmente cearenses.”17 No Pará e no Amazonas, em
apenas 28 anos (1872-1900), a população foi de 329.000 para 695.000
habitantes18. Houve ainda, durante a segunda guerra mundial, um outro
momento de intensificação migratória para a extração de borracha na
Amazônia e, novamente, o Nordeste foi a principal origem dos
trabalhadores. A Terra do Meio recebeu considerável número desses
“soldados da borracha”, como ficaram conhecidos.
17 IANNI, Octávio. A luta pela terra: história social da terra e da luta pela terra numa área da Amazônia.
2. ed., Petrópolis, Vozes, 1979. p. 46.
18 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo, Publifolha, 2000. p. 137.
22
Com relação à gênese desse ciclo de ocupação da terra nas regiões
gomíferas, há que se ressaltar as diferenças em comparação com as áreas do
Pará não produtoras de borracha. Como a economia extrativista dependia
muito mais do controle da mão-de-obra do que da terra, não se formaram os
latifúndios como na região do Sul do Pará. Os seringais, comumente, eram
em terras não reclamadas. Frei José Audrin explica que “se quiserem bem
compreender a natureza da lavoura sertaneja, devem afastar a idéia de
parcelas de terreno, adquiridas por herança ou compra, registradas em
cadastro, delimitadas ou cercadas por arames ou valetas.”19 Esse quadro era
ainda mais acentuado na região como a do Rio Iriri, pois,
No Pará, as maiores concentrações de Hevea brasiliensis encontram-se nas
regiões das ilhas e ao longo dos sistemas fluviais do Xingu e do Tapajós. [...]
Os latifúndios do Pará, contudo, tendiam a localizar-se em áreas não
produtoras de borracha – e não por mera coincidência. O setor extrativo da
economia, durante o período colonial, dependia mais do controle da mão-deobra
do que da terra. As florestas exploradas pelas expedições coletoras
eram quase sempre terras não reclamadas (e, por vezes, inexploradas) da
Coroa, acessíveis a quem quer que dispusesse a pagar e equipar uma turma
de trabalhadores. Uma vez que desmatar e cultivar essas longínquas
extensões de floresta era desnecessário e economicamente inviável, quase
não havia incentivo para um colono reivindicá-las como de sua exclusiva
propriedade.
Por essa razão, as sesmarias, generosamente concedidas pela Coroa
portuguesa para estimular a colonização da Amazônia, não eram nessas
áreas longínquas de florestas, mas em terras apropriadas para a agricultura
ou a pecuária, localizada nas vizinhanças dos centros comerciais de Belém e
Santarém.20
Segundo Ferreira Penna (texto de 1864), “Ao lado das pastagens de Marajó
onde prospera a rica atividade pecuária, os distritos agrícolas são Bragança,
Irituia,Vigia, Capital [Belém], Igarapé-mirim [mirí], Cametá, Muaná, Monte
19 AUDRIN, José M. Os sertanejos que eu conheci. Rio de Janeiro, José Olympio, 1963. p. IX.
20 WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo,
Hucitec; Edusp, 1993. p. 57.
23
Alegre, Santarém, Alenquer, Óbidos e boa parte de Portel”21. Nenhum dos
distritos mencionados era produtor importante de borracha, e apenas
Cametá, Muaná e Portel contribuíam com quantidades significativas de
borracha para a produção total da província.22
“Onde o trabalho é livre, a terra não é. Se a terra é livre, o
trabalhador não poderá ser.” – disse uma vez o professor José de Souza
Martins23. A realidade dos seringais do rio Iriri encena seu dizer. A principal
forma de controle dos patrões, não se dava ao limitar o acesso à terra, mas
por mecanismos de controle da mão-de-obra por endividamento, que derivou
em um quadro de escravidão por dívida.24
Weinstein, que entrevistou Anfrísio Nunes Filho, em janeiro de 1978,
relata o registro desse processo de endividamento e controle do trabalho e
não da terra:
O filho e um seringalista do rio Iriri, afluente do Xingu, recordou-se de um
ponto na descida do rio, conhecido como “Paga Contas”; Esse ponto,
fortemente guarnecido, representava a única passagem segura para fora da
área e, como o nome indica, qualquer seringueiro detido ali, em seu caminho
rio abaixo, que não pudesse provar que estivesse com todas as suas contas
em ordem, seria sumariamente embarcado de volta para o seringal – ou
mandado para um destino ainda pior.25
Com o declínio do tempo áureo da economia da borracha, após 1912,
os pilares comerciais e do sistema de escravização começam a ruir. “Os
‘barões’ da borracha perderam o poder absoluto e as fortunas que possuíam.
Escândalos internacionais atraíram a atenção do mundo para a escravização
do seringueiro da Amazônia.”26 Paralelamente a esse enfraquecimento,
21 FERREIRA PENNA, Domingos Soares. In: Obras Completas. Belém, 1971. v. I, p. 261.
22 WEINSTEIN, op. cit., p. 317, nota 13.
23 Comunicação pessoal, 2000.
24 Uma vasta discussão sobre as dinâmicas de escravização por endividamento nos seringais está em
Weinstein, A borracha na Amazônia...
25 WEINSTEIN, op. cit., p. 317, nota 13.
26 WAGLEY, Charles. Uma comunidade amazônica. 2. ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional,
1977, p. 107 apud Ianni, A luta pela terra, p. 60.
24
outras formas começam a se estruturar:
Em muitos lugares, ou ressurgiu, ou nasceu pela primeira vez, um setor
camponês. Ao mesmo tempo em que ocorriam a crise, a estagnação, o
retrocesso ou a decadência do monoextrativismo da borracha, ocorria também
o rearranjo das forças produtivas e das relações de produção. É verdade que
houve fuga e debandada de aviadores, seringalistas e seringueiros. Houve o
abandono de centros, beiras (ou margens) e cidades. Mas também houve
alguma recomposição de atividades econômicas e sociais, nos mesmos lugares
ou em outros. [...] Ao decair o monoextrativismo da borracha, voltado para o
comércio e indústria externos, ocorreu a diferenciação das atividades
produtivas voltadas para o consumo e o comércio internos, principalmente
locais. Diferenciou-se o extrativismo em coleta, caça e pesca; ao mesmo tempo,
formaram-se roças e criações. Constituiu-se um setor camponês
razoavelmente significativo, mas disperso no espaço ecológico.27
Joseph Woodroffe, em 1915, sintetizava: “quase todo seringueiro possui
agora sua roça de mandioca, feijão, milho ou banana.”28 E José de Souza
Martins, ao falar da Amazônia, elucida com precisão o que viveram os
seringais da região dos rios Xingu e Iriri:
Quando a economia da borracha entrou em crise e decadência aí por 1910,
muitos desses empreendimentos extrativos, que eram essencialmente
comerciais e não agrícolas, simplesmente encerraram suas atividades.
Ficaram para trás os trabalhadores, dedicados à própria subsistência e
comercialização de excedentes em pequena escala. Essencialmente, houve um
refluxo da economia, expresso diretamente no retorno a uma economia
baseada na produção direta dos meios de vida por parte dos trabalhadores.
Isso tinha sentido, porque os donos de seringais e castanhais eram meros
posseiros ou foreiros que haviam arrendado suas terras do Estado. Portanto,
a partir desse momento, a frente de expansão ficou caracterizada como uma
frente demográfica de populações camponesas e pobres residualmente
27 Ianni, A luta pela terra, p. 63s.
28 WOODROFFE, J. The Rubber Industry of the Amazon. London, 1915, p. 121 apud Weinstein, A
borracha na Amazônia, p. 273.
25
vinculadas ao mercado. Em vez de estagnar, continuou crescendo e se
expandindo pela chegada contínua de novos camponeses sem terra originários
sobretudo do Nordeste, no caso da Amazônia, que foram ocupando as terras
real ou supostamente livres da região.29
Dos mais velhos, apuramos, hoje, os relatos ouvidos de seus pais, de
como muitos patrões simplesmente desapareceram de uma hora para a outra.
Não era a terra que tinha valor, era a estrada de seringa e o contingente de
trabalhadores para explorá-las. “A mão-de-obra tudo vale e a terra, quase
nada.”30 Comumente, a posse não era medida e valorada por unidades de
área, mas pelo número de estradas de seringa, como observamos em qualquer
Título de Posses emitido pelas Intendências Municipais ou pelo Estado do
Pará: a descrição do número de estradas de seringa era muito mais preciso do
que as medidas da área.
Isso torna compreensível que muitos dos grandes patrões tenham
simplesmente abandonado suas posses. Porém, muitos dos parentes (pobres)
e agregados, empregados nestes seringais, acabaram por ficar e se
sedimentar no local. Ianni, enfocando mais especificamente a região do
Araguaia, afirma que após a crise do monoextrativismo da borracha
houve seringueiros, seringalistas e comerciantes que se converteram a
outros extrativismos, ou à pecuária e a agricultura, para viver e manter a
família e agregados. Reduziu-se o segmento mercantil e cresceu o segmento
de subsistência das unidades agrícolas, pecuárias e extrativistas que se
constituíram após a crise e decadência da borracha.31
A partir desse momento, segundo Ianni, “houve o puro e simples
abandono dos lugares com a reconversão das terras de cauchais e
seringais em terras devolutas”32 ou a formação de “sítios fazendas e
29 MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo,
Hucitec, 1997. p. 178s.
30 EDWARDS, William H. A Voyage up the River Amazon. Philadelphia, 1847, p. 83 apud Weinstein, A
borracha na Amazônia, p. 193.
31 Ianni, A luta pela terra, p. 86.
32 Ibid.
26
latifúndios”33. Esse processo deu-se de forma diferente nos seringais do
Alto Xingu, Iriri e Alto Tapajós. A observação dos dados de produção
mostra que, em meio à enxurrada de falências de 1913, a produção de
borracha não apresentou nenhuma queda abrupta e expressiva. Para essa
região de exploração tardia, vale a observação de Barbara Weinstein:
Já em 1913, há relatos de seringueiros que, não conseguindo mais ganhar a
vida com extração do látex, estavam abandonando suas estradas em grande
número. Contudo, as estatísticas de produção desses anos parecem
contraditar essa versão dos fatos: embora as exportações de borracha nunca
voltassem a atingir seus níveis de 1910-12, o declínio da produção foi
gradativo e interrompido por aumentos ocasionais, o que indica somente
uma perda desprezível de trabalhadores.34
Os seringalistas de maior porte com grandes empreendimentos
comerciais faliram e abandonaram a terra – antigos livros do cartório de
Itaituba, onde tivemos oportunidade de realizar um amplo levantamento,
enchem páginas com escrituras de dissolução de firmas comerciais nessa
época. Mas com seringueiros e, até, com alguns pequenos patrões e
comerciantes não foi exatamente assim. No seringais mais distantes como
os do Alto Xingu, Iriri e Alto Tapajós, alguns ramos empobrecidos das
famílias de pequenos donos de seringais acabaram por ficar na terra e, até
hoje, encontramos seus descendentes. A grande diferença para a situação
estudada por Ianni, em Conceição do Araguaia, é não ter havido nesses
locais a formação de fazendas e latifúndios. As transformações no modo de
ocupação da terra os guiaram em outra direção. Em primeiro lugar, houve
uma distinção nítida entre os que partiram e os que ficaram: ficaram os
pobres. E, como vemos ainda hoje, as opções de sobrevivência encontradas
os aproximou de uma estrutura calcada em nucleamentos familiares e na
solidificação das relações vicinais.
Tudo só foi acontecendo ao passo que, em conseqüência da crise,
33 Ibid.
34 Weinstein, A borracha na Amazônia, p. 271s. Ver também Pantoja, Os Milton, p. 100s.
27
“afrouxaram-se os vínculos entre aviador e aviado, na medida em que
os antigos seringueiros adquiriram maior liberdade de movimento e
vieram a envolver-se em variadas atividades econômicas”.35
Porém, como mostra Weinstein, as transformações nas estruturas de
endividamento ainda continuavam vivas:
as ligações patrão-cliente continuaram a existir; a maior parte dos
seringueiros e coletores prosseguia enredada no sistema do aviamento e
seriamente endividada com um patrão local.36
Bom retrato desse momento de transformação, do colapso que levou
ao fim o controle do trabalho pelo endividamento, temos, em 1909, quando o
grande seringalista e aviador, Raymundo Pereira Brazil, escreve Os sertões
do rio Tapajós e percebe que a alta rápida dos preços da borracha “tem
produzido um verdadeiro delírio no interior da Amazônia”37. Brazil, com
clareza, critica:
Com a alta da gomma elastica, que se tem mantido a 8$ e a 9$, o que
certamente não durará muito tempo, foi um verdadeiro delirio. [...] Não
reflectem, não raciocinam, não medem o abysmo que, de um momento para
outro, inesperadamente, se lhes pode abrir aos pés. Se a borracha baixar
bruscamente aos antigos preços, com que numerario conta o commerciante
de Tapajós para liquidar seus compromissos, pagar suas dividas anteriores e
para manutenção do serviço de exploração dos seringaes?38
São bastante comuns – e até mitificados – os registros de como
Raymundo Brazil valia-se dos mais truculentos métodos para controlar seus
trabalhadores39. Mas, frente às graves mudanças no mercado, põe-se
35 Weinstein, A borracha na Amazônia..., p. 292.
36 A borracha na Amazônia..., p. 292.
37 BRASIL, Raymundo Pereira. Os sertões do rio Tapajós. Belém, Secção de obras da Província do Pará,
1910. p. 118.
38 BRASIL, Raymundo Pereira. Os sertões do rio Tapajós. pp. 113s.
39 Cf. Weinstein, A borracha na Amazônia, p. 217. Os moradores de Mangabal contam como são comuns,
em Lua Nova, o aparecimento de padres sem cabeça, pretos velhos e outras visagens. Isso porque lá
ficavam o cepo, as correntes e a forca com os quais eram torturados e assassinados os seringueiros.
28
absoluto e irredutível contra o sistema de endividamento e escravização do
seringueiro:
O commercio antigo, praticado no Tapajós, em que o primeiro objectivo era
tornar o trabalhador endividado, para melhor prendel-o ao cêpo da
escravidão, jamais será seguido por nós. Evitaremos o facto não só entre o
pessoal que trabalha nos nossos dominios, directamente, como tambem
entre aqueles que, nada tendo comnosco, nos merecem comtudo o mais alto
sentimento de piedade, justiça e amor.40
Assim, entrava em decadência o carrancismo. A estrutura de
dominação alterou-se de modo a não mais impedir que os seringueiros
despendessem parte do seu tempo ao cultivo de alimentos e outros
extrativismos. A tática dos patrões de manter os seringueiros na maior
dependência possível, evitando tentativas de qualquer auto-suficiência,
funcionou bem com os preços da borracha em alta. Com a baixa, tornava-se
anti-econômico o patrão continuar suprindo os seringueiros em todas as suas
necessidades.
Não conseguindo fazê-lo, porém, ameaçava aumentar a independência
econômica e psicológica do seringueiro e podia, finalmente, levá-lo a deixar
de uma vez a coleta de borracha. Em suma, o seringalista, ou comerciante,
via-se dividido entre a necessidade de cortar os custos e as dificuldades de
manter o controle de sua mão-de-obra.41
Joseph Woodroffe mostra, porém, que a produção de alimento era
uma atividade compatível com o seringueiro e não com o patrão42. Mas, o
empobrecimento dos pequenos donos de seringais os aproximou
gradativamente do seringueiro, como veremos adiante, não só na adesão à
atividade agrícola, mas também por meio de casamentos e uniões
maritais. Essas famílias foram se mesclando às dos demais seringueiros,
40 BRASIL, Raymundo Pereira. Os sertões do rio Tapajós. p. 125.
41 Weinstein, A borracha na Amazônia, p. 272. Cf. também Woodroffe, The Rubber Industry of the
Amazon.
42 Woodroffe, The Rubber Industry of the Amazon apud Weinstein, A borracha na Amazônia, p. 273.
29
de modo a, em pouco tempo, diluírem-se completamente.
Nas transformações dessas primeiras décadas do século XX, ao lado
do rearranjo das forças de produção e do abrandamento dos modos de
dominação do seringueiro, estava um elemento fundamental: a formação
de grupos familiares43. Mariana Pantoja registra que o padre Constantin
Tastevin44
observou que a vida no seringal só era “boa” para as “famílias
numerosas”: aquelas que contavam com braços para executar as diversas
atividades produtivas (seringa, caça, pesca, roçados) ao mesmo tempo. Os
seringueiros transformaram-se assim, a partir dos anos de crise do início
do século XX, não em coletores especializados, mas sim num
“campesinato florestal” apto a diversificar suas atividades econômicas e a
sobreviver a crises setoriais.45
E os grandes grupos familiares, de fato, se formaram nas regiões dos
seringais após o “abandono” da terra pelos seringalistas.
A não legitimação dos Títulos de Posse que foram expedidos para a
região é compreensível.
regiões rio acima, onde era menos comum a posse formal da terra, o patrão
local ou a firma aviadora mantinha um controle de facto sobre enormes
extensões de terra e só ocasionalmente adquiriam a terra através de
registro e demarcação. Conforme assinalou um político paraense, como os
agrimensores cobravam muito mais do que o valor da terra, poucos eram os
posseiros que poderiam enfrentar as despesas para definir os limites de sua
propriedade.46 [grifos nossos]
43 Cf. ALMEIDA, Mauro. “The Creation of the Alto Juruá Extractive Reserve”. In: PENDZICH, C.;
THOMAS, G.; WOHIGENT, T. (orgs.). The Rule of Alternative Conflict Management in Community
Forestry. Roma, 1993, p. 1-65; e WOLFF, Cristina Scheibe, Marias, Franciscas e Raimundas...
44 TASTEVIN, Constant F. “Le Haut Tarauacá”. La Geographie T. XLV, 1926. p. 34-54.
45 Pantoja, Os Milton, p. 101.
46 WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo,
Hucitec; Edusp, 1993. p. 193.
30
2 Ameaças à posse e à integridade da Resex do Iriri.
O Ibama prescreve como “Orientações para regularização fundiária”1,
procedimento meticuloso, que se inicia pela demarcação e materialização dos
limites da unidade de conservação. O texto prescreve um protocolo genérico,
pensado como base para as reservas ambientais do país inteiro.
Em relação à Amazônia, e em especial à Terra do Meio, sem discutir a
necessidade do cumprimento de todas as etapas prescritas no guia do
Ibama, pensamos ser preciso certa alteração na ordem do protocolo. Por
exemplo, em áreas no interior da Esec Terra do Meio, apossadas por meio
grande violência e guardada por pistoleiros, cremos ser muito difícil ao
Ibama proceder a demarcação da Reserva. Soma-se ainda o fato de que a
atividade pecuária e madeireira continuada e passível de ampliação – como
mostram os planos e ações de diversos grileiros – constitui uma grave
ameaça ao patrimônio que se deseja proteger, de modo que, ações contra
esses sujeitos fazem-se de caráter emergencial.
1 CARDOSO, Manuel Egídio Santos. “Orientações para regularização fundiária”. IBAMA Guia do chefe.
Brasília, MMA, mar. 1998, Anexo 12. Acessado em fev./2008. Disponível em http://www.ibama.gov.br/
siucweb/guiadechefe/guia/anexos/anexo12/texto.htm.
31
Entendendo a prioridade da detenção de atividades nocivas, não
compatíveis com a vocação da unidade de conservação, como o primeiro
passo do processo de regularização fundiária, identificamos os principais
autores dessas ações e apropriações. O trabalho se restringiu às margens do
rio Iriri, em especial, à Resex do Iriri.
Usamos a expressão “grilagem” e suas variantes (eventualmente, de
modo precipitado) como “Genericamente, toda a ação ilegal que objetiva a
transferência de terras públicas para o patrimônio de terceiros constitui
uma grilagem ou grilo”.2
2.1. Vargas & Vargas, “um jerico e um dodge amarelo”
Muitos contam de como Polaco, como é conhecido Adair Abel Vargas,
fundador e titular da madeireira Vargas & Vargas3, chegou à região da
Terra do Meio entre 1984 e 1985. Vinha do Sul e todo seu patrimônio
reduzia-se a um “jerico” (pequeno trator usado para arrastar toras) e um
velho caminhão Dodge amarelo. Empregou-se na madeireira Bannach4,
instalada no local hoje conhecido como Maribel, seu trabalho era explanar
mogno.
Polaco conheceu bem a região, trabalhou no roubo de madeira nas
duas margens do rio Novo, até o igarapé Preto e em mais uma imensa
porção da margem esquerda do rio Iriri, a jusante do igarapé dos Olhões. Aí,
era onde estavam os índios araras da terra indígena Cachoeira Seca, os
únicos a se recusarem veementemente a vender o mogno de suas terras.
Por volta de 1995, a madeireira Bannach quebra, mas, antes, Polaco
já havia comprado a filial da madeireira em Uruará e em 1991, já se
2 MDA - Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrária; INCRA - Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária. O Livro Branco da Grilagem de Terra no Brasil. Brasília, MDA, 2000.
p. 4.
3 Vargas & Vargas Ltda., Rodovia Transamazônica, km 180, Uruará, PA, CEP 68140-000, tel. 91 3532
1114.
4 Madeireira Bannach Ltda., CNPJ 05.253.810/1110-73, cujo titular era Rubens Aparecido Bannach, hoje
desativada.
32
associava a Julio Vito Pentagna Guimarães, que se intitula proprietário da
Juvilândia, e extraia nessas terras mogno e cedro. A madeireira Marajoara
também se juntou ao esquema: a cada metro cúbico de madeira explanada,
metade ficava para Julio Vito, metade para os madeireiros. A percentagem
exigida pela Juvilândia era muito alta e a negociata para por volta de 1994.5
Daí em diante, Polaco vai, progressivamente, controlando as áreas
exploradas pela Bannach (ver Mapa 2.1.1), até que, por volta de 2001, ele
explorava sozinho toda a margem direita do rio Iriri a montante da Maribel
até a divisa com a Juvilândia no “Picadão do Morro do Galego”. Esse trecho
já estava com o mogno esgotado, além do que, pouco mais sobreviveria a
febre do mogno. Polaco serrava jatobá, ipê, pacajuba, frejó, maracatiara e
angelim.
Além da madeira, em outras áreas Polaco também investe na
pecuária e, principalmente, na grilagem de terras. Nas glebas do Incra, em
Uruará, ao Norte da BR-230, ele se apoderou de uma gigantesca extensão e,
após esgotar completamente a madeira comercial, promoveu um loteamento
e venda daquelas terras públicas. Os compradores, na grande maioria,
vindos da região Sul, alguns sem saber que compravam terras públicas,
instalaram-se e o “Chapadão do Polaco”, no município de Uruará, ao Norte
da Transamazônica, responde hoje pelas maiores derrubadas de florestas
primárias daquela região.
Na Resex do Rio Iriri, Polaco parece seguiu o comum trâmite para a
grilagem de terras que já havia usado ao Norte da Transamazônica.
Por meio de escritórios especializados em formalizar os processos de
“regularização fundiária”, com um sofisticado aparato: imagens de satélites
sempre atualizadas, aparelhos de GPS, aviões para sobrevôos, técnicos
qualificados etc. fazia-se a parte burocrática. Ao lado disso, pistoleiros
garantiam, nos mais arcaicos moldes, a “limpeza”, expulsando pequenos
posseiros e populações tradicionais.
5 As informações relativas ao funcionamento da madeireira Bannack e das negociações entre ela e as
madeireiras Vargas & Vargas, Marajoara e a fazenda Juvilândia foram obtidas por meio de depoimentos
de ex-funcionários e outras pessoas ligadas às atividades de formas variadas. Para garantia de segurança
desses informantes, suas identidades não serão citadas.
33
Mapa 2.1.1
34
Resumidamente, o procedimento para a grilagem das terras junto ao
Incra – não só o de Polaco, mas de forma geral – cumpria o seguinte trâmite:
1. Elaboração de mapas com o loteamento da área pretendida em partes
de, no máximo, 2.500 ha, respeitando-se o tamanho máximo
permitido, pela Constituição de 1988, para aquisição de terras
públicas.
2. A cada lote atribuía-se um nome diferente, os famosos “laranjas”.
Cada um deles, supostamente, ocupava a terra e a requeria ao Incra.
Para cada lote dava-se entrada em um processo independente, como
se cada um fosse ocupado e pleiteado por uma pessoa diferente.
Sempre, todos esses processos tinham o mesmo representante legal,
ou, então, já estavam todos compromissados por instrumentos
particulares à mesma pessoa.
3. Após protocolar o processo no Iterpa (no caso das áreas da Resex do
Iriri, provavelmente também deu entrada em processo com mesmo
teor no Incra), esperava-se pela vistoria realizada pelos técnicos do
órgão. Os freqüentes escândalos envolvendo os órgãos de controle
fundiária na Amazônia nos últimos anos dão mostra da pouca
seriedade corriqueira desse trâmite.
4. Após a vistoria, a terra sofria uma vertiginosa valorização. É na
vistoria que, teoricamente, certificava-se a veracidade da ocupação e,
comumente, expedia-se o CCIR (Certidão de Cadastro de Imóveis
Rurais).
Apesar de nenhum título haver sido expedido por este procedimento,
era consenso na região de que resultado do trâmite seria líquido e certo e os
protocolos dos processos negociados como se fossem o mais sólido título
dominial. A responsabilidade disso também deve ser dividida com entidades
como o BASA/FNO que, incompreensivelmente até hoje, liberam
financiamento somente com o protocolo de requisição de compra da terra e o
CCIR.
35
Recentemente, o uso de laranjas para a apropriação de terras públicas
chegou a se profissionalizar e a se valer de inventivos métodos, como foi
detectado por uma ação conjunta do Ministério Público e outros órgãos na
região. Felício Pontes Jr., procurador da República no Pará, relata que em
meados de 2002, o Pólo Institucional de Novo Progresso reuniu em um
mesmo prédio Incra, Ibama, Receita Federal, Polícia Federal e Ministério
Público. Nesta ocasião, mais de trezentas madeireiras foram autuadas.
Grande número delas usava “laranjas”. Chamou a atenção que a maioria dos
laranjas vinha de Marília, interior de São Paulo. Pontes explicou o porquê:
meses antes, publicou-se num jornal de Marília um anúncio de emprego, as
pessoas se apresentaram e preencheram cadastros para concorrer às vagas.
De posse dos dados de tais cadastros – nome, RG, CPF etc. –, deram-se
entrada em processos de regularização fundiária e firmas madeireiras foram
abertas em nome dessas pessoas.
É exatamente o procedimento adotado por Adair Abel Vargas na
intenção de grilar uma porção de terras no extremo Leste da Resex do Iriri.
Como vemos no Mapa 2.1.2, 15 mil hectares de terra pública são
descaradamente apropriados por meio de protocolos em nome de laranjas.
Polaco não se digna a, sequer, tentar disfarçar e chega a usar seus próprios
familiares como laranjas, como indicam os sobrenome “Vargas” em vários
casos.
Aliás, segundo o jurista Paraguassu Éleres, “o artifício do empréstimo
de nome de diversas pessoas para os requerimentos, [foi] fato considerado
natural e eticamente correto, à época [meados da década de 1960]”6. O autor
chama a atenção que,
Dentre os que emprestaram nomes à titulação de terras no Pará, estão do
dr. João Afonso Borges, eminente advogado goiano – (Processo STOV
3907/62, Título n.º 31, Talão 4, de 7 de janeiro de 1964, área de 4.356 ha) e o
dr. Íris Resende Machado, que seria prefeito de Goiânia, governador e
senador pelo Estado de Goiás e Ministro da Justiça no governo Fernando
6 ÉLERES, Paraguassu. Intervenção Territorial Federal na Amazônia. Belém, Imprensa Oficial do
Estado, 2002. p. 43.
36
Henrique Cardoso (Processo STOV 1730/60, Título n.º 28, Talão 39 de 19 de
fevereiro de 1962, área de 4.356 ha).7
Voltando a Polaco, os 15 mil ha requeridos foram divididos em seis
lotes, com seis pleiteantes distintos, sendo cada um deles, ficticiamente,
uma fazenda diferente:
• Fazenda Letícia, requerida por Vasco Vieira, 2.500 ha;
• Fazenda Lorena, requerida por Maria Manzano Caldardo,
2.487,2 ha;
• Fazenda Vargas, requerida por Ricardo Rodrigues Vargas,
2.500 ha;
• Fazenda Rio Novo, requerida por João Paulo Vargas, 2.500 ha;
• Fazenda Rafael, requerida por Emílio Soller Caldardo, 2.500
ha;
• Fazenda Vinícius, requerida por Hernando Roca Martins, 2.500
ha.
Na divisa Oeste desses lotes pretendidos por Polaco, ele também se
apoderara de outros três lotes de tamanho maior, em média 4.356 ha,
somando 13.068 ha, cadastrados pelos números 0000439287209;
0000439287047 e 0000439287128. Trata-se de terras – segundo seus
pretendentes – alienadas pelo governo estadual e que passaram pela
madeireira Bannach. Além de Polaco, diversos outros grupos afirmam terem
comprado a área desse registro imobiliário, algumas vezes, situando-a nos
mais diversos locais.
Enfim, somando essas três áreas às outras seis, Polaco deteria no
interior da Resex do Iriri mais de 28 mil ha que, ao menos superficialmente,
cobrem-se de alguma formalidade e devem ser considerados no processo de
regularização fundiária da unidade de conservação.
7 Ibid., nota 40.
37
Mapa 2.1.2
38
A preocupação com Polaco, ou se preferirmos, com a madeireira
Vargas & Vargas parece ser mais no sentido formal para a arrecadação
cartorial das terras do que em relação à posse.
Entre 2001 e junho de 2007, Polaco exercia a posse e explorava a área
marcada no Mapa 2.1.1. A madeira era transportada em sua balsa até o
Porto Maribel de onde seguia em caminhões até Uruará e lá era serrada.
Havia um razoável investimento na terra com três principais centros de
apoio, como indicado no Mapa 2.1.2.
Ponto A – Localidade São Francisco, antiga morada do seringueiro
Benedito Cardoso, devoto de São Francisco, para quem construiu uma
capela (hoje já derrubada) e, anualmente, fazia “uma muito boa festa” no dia
4 de outubro.
Polaco construiu uma boa casa (ver Foto 2.1.1) para servir de ponto de
apoio à exploração madeireira. No local há, inclusive uma placa indicando o
processo junto ao Ibama de aprovação de Plano de Manejo Florestal (PMF),
protocolado sob número 02018.00621/03-31. O levantamento desse processo
e a análise dos documentos fundiários apresentados seriam importantes e
esclarecedores para esse trabalho (ver Foto 2.1.2).
Foto 2.1.1
Casa construída por Polaco e usada como ponto de apoio à exploração
madeireira. O material da casa foi doado a um beiradeiro que virá
desmanchá-la no inverno e aproveitar o material. Localizado no Ponto A do
Mapa 2.1.2.
39
Foto 2.1.2
Plano de Manejo Florestal (PMF),
protocolado sob número
02018.00621/03-31. O
levantamento desse processo e a
análise dos documentos fundiários
apresentados seriam importantes
e esclarecedores para esse
trabalho.
Localizado no Ponto A do Mapa
2.1.2.
Importante notar que a madeireira Vargas & Vargas consta, na placa,
como arrendatária, o que faz sentido, pois os protocolos de requisição dos
lotes estão em nome de laranjas. Muito provavelmente, o processo do Ibama
deve estar em nome de Vasco Veiga.
A placa continua no lugar, a casa continua em pé, mas há motivos
para crer que, realmente, Polaco não exerça mais a posse da área. Todo
maquinário, empregados, a balsa de transporte de madeira etc. foram
retirados até junho de 2006, mais precisamente, 16 de junho, segundo o
piloto que conduziu a embarcação quando fez a última viagem.
Quanto à casa, Polaco deu o material para Joel, um ribeirinho
morador próximo ao Porto Maribel. Joel ainda não havia derrubado a casa,
pois esperava o inverno, quando as águas chegam até bem próximo à
construção e facilitarão o embarque do material.
Ponto E – Na localidade de Boa Esperança, Polaco também instalou
uma base de operação para o roubo de madeiras. O local sempre foi ocupado
pelo beiradeiro Carlos da Silva Rodrigues que, em 2001, mudou-se para
Altamira para tratar-se de uma hanseníase, voltando à terra somente em
maio de 2006.
Foi nesse período que Polaco acelerou o roubo de madeira da área e
montou no local 3 acampamentos de trabalhadores, sendo um deles, a
própria casa de Seu Carlos.
40
Quando Seu Carlos voltou, derrubou os acampamentos e, segundo ele,
Polaco não se incomodou.
Diversas estradas partem desse local, havendo inclusive uma
caminhonete Mitsubishi L200 abandonada nas proximidades. As estradas
foram intensamente usadas por Polaco e depois, apropriadas por Gilberto
Luiz Rezende, o último a mantê-las em funcionamento.
Ponto F – Neste ponto, tradicionalmente conhecido como Garrancho,
Polaco construiu outra boa casa como a do Ponto A. Depois que ele desativou
a atividade madeireira na área, deu a madeira e as telhas da casa para Léo,
um beiradeiro que vive um pouco à jusante da Maribel e é neto da antiga
matriarca, Dona Mariana.
Léo desmanchou a casa por volta de outubro de 2007 e com o material
constrói sua casa ao lado da casa da Avó, em área da TI Cachoeira Seca,
bem próxima ao Porto Maribel (ver foto 2.1.3). Deste ponto sai também
outra estrada que liga à fazenda de Gilberto Luíz Resende.
Foto 2.1.3
À esquerda, local de onde foi desmanchada a casa construída por Polaco. À
direita, casa de um beiradeiro, em construção com o material aproveitado
com a demolição da casa de Polaco. Localizado no Ponto F do Mapa 2.1.2.
Cerca de 200 metros deste ponto, funcionava o porto de atraque da
balsa de Polaco e de carregamento das toras. O local do Porto, da casa do
Ponto E e outros já voltaram ou estão voltando a ser ocupados por
beiradeiros da comunidade que estavam instalados na TI Cachoeira Seca.
Importante notar que onde houve a saída do grileiro a ocupação beiradeira
retorna.
41
Ponto B – Porém, se as pretensões de Polaco em relação à efetivação
da grilagem e aprovação de planos de manejo no local parecem menos
intensas, há que se registrar que Polaco continua, de certa forma, a manter
presença com uma atividade diferente.
Polaco ainda ocupa a área para caça e pesca durante o verão. Ele
monta, sempre no mesmo local, um acampamento bem equipado com fogão a
gás, freezer, grupo gerador, barracas de camping etc. Na alta estação de
pesca, o uso é quinzenal ou, até, semanal, geralmente chegando na quintafeira
e ficando até o domingo. Chegam ao local via Porto Maribel. O
acampamento de caça e pesca é também freqüentado por Mário Lobo
(madeireiro e ex-prefeito de Uruará), Paulo Medeira (do PT de Uruará),
Gilmar (da madeireira Marajoara), Giovane (fazendeiro de Uruará) e outros.
Porém, só podem entrar com autorização de Polaco. Em janeiro, quando
estivemos no local, o acampamento estava desativado mas, com muito lixo e
vestígios de caça e pesca no local, como vemos na Foto 2.1.4.
Foto 2.1.3
Muito lixo e carcaças de caça no local ocupado
pelo acampamento de verão de Polaco.
Localizado no Ponto B do Mapa 2.1.2.
42
2.2. Juvilândia: “o direito do descobridor”.
2.2.1. O contexto histórico da chegada de Júlio Vito Pentagna
Guimarães, em meados dos anos 70.
Uma propaganda da Sudam, veiculada em uma edição especial sobre
a Amazônia da revista Realidade, em outubro de 1971, anunciava: “Vendese
um estado rico”, e enumerava das vantagens oferecidas pelo Estado ao
investidor:
Terra virgem. Terra que precisa ser possuída. Agora. Urgente. Terra que dá
arroz, algodão, soja, feijão, milho e tudo mais. Terra que é veio sem fim de
amianto, níquel, ouro, diamante, cristal de rocha, manganês, mica –
minérios que todo mundo está de olho neles. Terra que engorda gado bom o
ano inteiro. Terra pra você trabalhar toda a vida e ganhar sempre.
Trabalhar, ganhar e viver no conforto. Quem busca lucro e paz o negócio
agora é Goiás. Matéria prima farta. Mão-de-obra barata. [...] Crédito fácil e
a longo prazo. [...] Incentivos de toda a ordem dos governos Federal,
Estadual e Municipal. Você que é pecuarista, industrial, agricultor e
43
comerciante saiba: a Amazônia se oferece a você com muito amor e riqueza.
Venha para cá, com armas e bagagem.1 [grifos nossos]
Júlio Vito Pentagna Guimarães (JV) tinha o perfil ideal. Era um
grande industrial, dono da Cia. Fiação e Tecidos Santa Rosa S.A., com mais
de 1.200 funcionários e um faturamento mensal de US$ 3 milhões2. JV era
exatamente o que a irracionalidade da ditadura militar década de 1970, sonhava para a
Amazônia, era sinonímia de progresso e desenvolvimento, segundo uma concepção
bandeirante que instituía um aparato político e jurídico de modo a garantir toda sorte de
vantagens ao grande investidor para que ele se apoderasse do território.
“Homens sem terra à terra sem homens”. Emílio Garrastazu Médici leva os
créditos autorais dessa emblemática “pérola”. Sintomaticamente, o então presidente do
Brasil, quinhentos anos depois, reproduzia com precisão milimétrica, sem o saber, o pior
aspecto da mentalidade dos colonizadores, que relegavam à condição não-humana toda
uma população. De fato, para os militares, como para JV, aquela era uma terra sem
homens. As inúmeras comunidades indígenas, bem como outras populações locais, não
contavam, não eram gente. Estavam – como permanecem – muito longe de atingir tal
status. Esse esvaziamento cultural, e até humano, “justificaria” seu extermínio e a tomada
de suas terras.3
Com exatidão, esse constructo ideológico se mentem vivo no discurso de JV, ao
referi-se à vasta extensão de que se apropriou:
“É a terra de ninguém. É a terra de quem descobre. É o direito do
descobridor”.4
O próprio JV conta, lá estavam mais de 260 famílias de seringueiros quando ele,
“o descobridor”, chegou em 1977 ao rio Iriri para exercer seu “direito”. Mas, para além
1 Realidade, ano VI, n. 67, Especial “Amazônia”. [São Paulo]: Ed. Abril, out. 1971, p. 232.
2 Júlio Vito Pentagna Guimarães, comunicação pessoal, Rio de Janeiro, fevereiro de 2008.
3 Sobre esse tema, são indispensáveis grandes estudos, entre os quais: OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de.
A fronteira amazônica mato-grossense: grilagem, corrupção e violência. São Paulo, 1997. Tese (Livredocência
em Geografia) – FFLCH, USP; OLIVEIRA, A. U. de. Integrar para não entregar: políticas
públicas e Amazônia. Campinas, Papirus, 1988; OLIVEIRA, A. U. de. Amazônia: monopólio, expropriação
e conflitos. Campinas, Papirus, 1987; José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis,
Vozes, 1981; MARTINS, José de Souza. Expropriação e violência: a questão política no campo. São
Paulo, Hucitec, 1980; MARTINS, J. S. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São
Paulo, Hucitec, 1997; MARTINS, J. S. A chegada do estranho. São Paulo, Hucitec, 1993. MARTINS, J.
S. Capitalismo e tradicionalismo. São Paulo, Pioneira, 1975; IANNI, Octávio. A luta pela terra.
Petrópolis, Vozes, 1978. IANNI, O. Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis,
Vozes, 1979. IANNI, O. Ditadura e agricultura, Rio de janeiro, civilização brasileira, 1979.
4 Júlio Vito Pentagna Guimarães, comunicação pessoal, Rio de Janeiro, fevereiro de 2008. A seguir, todas
as citações de Júlio Vito são oriundas de registro feito nessa entrevista.
44
das palavras do industrial, as memórias – melhor seria dizer, cicatrizes – dos beiradeiros
contam de sua violência para “limpar” a terra, expropriar seus ocupantes originais, o
maior obstáculo para o tão sonhado desenvolvimento. São inúmeros os testemunhos de
assassinatos, torturas e do notório “massacre do Morro do Galego”, onde depois de
assassinados, os corpos dos trabalhadores foram incinerados. São inúmeros (e ainda
lancinantes) os depoimentos de beiradeiros que viviam na área apropriada por JV e
sujeitaram-se a intimidações e violências até que partissem da terra onde viviam, muitas
vezes, há gerações.
Porém, sem querer eximir JV de qualquer responsabilidade pessoal
sobre suas atrocidades, não há como pensarmos a Juvilândia, nem a postura
do cartório que registrou seus títulos, nem os poderes públicos locais (desde
a sua vinda à Amazônia, até a consolidação de sua pretensiosa grilagem),
desprezando-se o contexto daquele recente momento. Todos os ventos
sopravam ao favor de todas as facilitações à apropriação das terras pela
Juvilândia, seu titular era “o homem das zonas desenvolvidas do País”5
clamado e agraciado com fartos e generosos incentivos públicos. Era o
“pecuarista, industrial, agricultor e comerciante” a quem a Amazônia se
“oferece com muito amor e riqueza. Venha para cá, com armas e bagagem.
Traga seu capital e sua técnica pra ganhar bons lucros”.6
Sem dúvida, o tamanho da terra (840 mil ha) e a facilidade com que foi
matriculada no Registro Imobiliário de Altamira são incomuns, mas em são
bem explicados por Martins, em seus registros das regiões dos rios Araguaia e
Tocantins, onde
o título, o documento, tem uma vida autônoma em relação à terra sobre a
qual supostamente garante direitos. O documento ganha vida nos cartórios e
nos tribunais, a vida postiça que pode lhe dar a burocracia pública. Na
origem de tais papéis, o favor político, a dádiva do Estado patrimonial,
premiando cupinchas e protegidos, cabos eleitorais do partido político no
poder. Essa tem sido a história territorial do regime republicano e
oligárquico. Sem a menor consideração pela terra efetivamente ocupada por
5 Na expressão da SUDAM. SUDAM. Investimentos privilegiados na Amazônia. Banco da Amazônia,
1968?. p. 166. [Agradecemos a indicação da obra a Rúben Valbuena Barrenechea].
6 Realidade, op. cit., p. 232.
45
populações indígenas, por seringueiros, posseiros, que foram se
estabelecendo livremente nas terras da margem esquerda e do Tocantins e
do Araguaia [...].7
É óbvio que os responsáveis diretos pela pilhagem de mais de 800
mil ha de terras públicas tinham a mais plena e absoluta consciência de
seu delito. Mas, com certeza, algo tão
grande, grosseiro e mal dissimulado
só foi possível devido às interrelações
de circunstâncias que o
propiciaram. Só foi factível com o
indireto amparo de um genérico
“fechar de olhos”. A responsabilidade
não se limita aos que agiram, a
conivência com a enorme grilagem se
estende – e é motivo de vergonha – a
toda uma sociedade que produziu
esse momento.
A histeria anticomunista frente
ao fantasma de um levante na
América Latina apavorava as elites
brasileiras e serviu de palanque ao
discurso ideológico da “integração” e
da “proteção contra o inimigo comunista”. Assim, legitimava-se e camuflavase
a cópula obscena do grande capital com os planos governamentais de
ocupação da Amazônia no período da ditadura militar. O amparo estatal a
grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros, além uso recorrente e
sistemático da violência, muitas vezes ultrapassou os limites do ridículo: a
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, por exemplo, nas
estratégias para combate às ações do PCB e PC do B em certo ponto da
Amazônia, classificava os indígenas e camponeses da região como “inimigos
7 MARTINS, José de Souza. “A vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira”. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). História da vida privada no Brasil, v. 4. Coord. Fernando A. Novais.
São Paulo, Cia. das Letras, 2000. p. 670s.
Anúncio da Sudam e do Banco da
Amazônia, veiculado em 30 de dezembro de
1970, na revista Veja.
46
potenciais”, por julgá-los suscetíveis à influência e conseqüente adesão ao
“inimigo externo”, o comunismo internacional.8
A paranóica fobia anticomunista “intensificou ainda mais o poder
da ordem privada sobre a ordem pública”9 e a forma como essa se abateu
sobre os posseiros:
Como em geral as invasões praticadas pelo latifúndio atingem grande
número de pessoas, as reclamações e reivindicações assumem
necessariamente um caráter coletivo, o que tem sido suficiente para
colocá-las sob suspeita. Em conseqüência, a tendência das autoridades
civis e militares tem sido a de secundar a grande empresa, partindo da
premissa de que ela é a guardiã natural da ordem social e política
vigente, contra o posseiro,
encarado como um risco para a
estabilidade da ordem
burguesa, quando ele é na
verdade um obstinado
pacifista.10
Assim, entre as décadas de
1960 e 1980, o Brasil assistiu à
formação dos maiores latifúndios
que a história da humanidade
conheceu11. E, como no exemplo da
Juvilândia, essa absurda
concentração fundiária não se fez
sobre o deserto, mas sobre uma
antiga e ignorada população
amazônida. Sobre ela, avançava o
“progresso”, o “desenvolvimento”,
forjado na mais autêntica
8 OLIVEIRA, A. U. de. A fronteira amazônica...
9 Martins. Expropriação e violência..., p. 111.
10 Martins. Expropriação e violência..., p. 111s.
11 OLIVEIRA, A. U. de. A fronteira amazônica...
Anúncio veiculado na revista
Manchete, Edição Especial
“Amazônia: um novo Brasil”. Rio de
janeiro, Bloch, fev. 1973. p. 178.
47
concepção bandeirante da colonização: o homem (o branco, naturalmente)
é o progresso; a natureza e o nativo são os obstáculos a serem
transpostos, o lugar hostil “onde só existiam matas. E lendas. O mito e o
medo. E o recado foi dado...”12. “[...] o gigante despertou e levantou
disposto a transformar seu berço esplendido num país desenvolvido”13. É
a “Amazônia onde as motosserras não descansam”14. “Nas agrovilas e
agrópolis [...] já vivem mais de 50.000 pioneiros da ocupação da imensa
planície deserta”.15
Titular a grilagem da Juvilândia não deixou de ter lá sua coerência
conjuntural. Não deixou de ser uma contribuição ao que os militares chamaram
de “doutrina de ocupação de espaços vazios”. E que na prática, Martins
chamou de “esvaziamento de espaços ocupados”16. O rio Iriri, assim como o
Riozinho do Anfrísio também seriam completamente esvaziado, não fosse a
persistência e a força de resistência de seus moradores e a criação das Resex
do Iriri e Resex do Riozinho do Anfrísio.
Os anúncios do governo federal, o manual da Sudam e outras dúzias
de exemplos, sempre dirigiram-se ao endinheirado investidor do Centro-Sul
do país, ofertando, além dos créditos fartos e subsidiados, também terra,
matéria-prima e mão-de-obra barata. A primeira parte da promessa, terra e
matéria-prima, foi cumprida com a expulsão sempre violenta – quando não
com o extermínio – da população que lá vivia. À medida que essas terras
eram monopolizadas por grandes especuladores, latifundiários e grileiros,
seus ocupantes originais, índios e caboclos, não tinham outra opção a não ser
trabalharem, justamente para os seus expropriadores na abertura de
fazendas de gado ou na extração de madeira. Violência e expropriação
compõem, e delas depende, à própria dinâmica deste “projeto de ocupação”.
Na época em que JV apropriou-se das terras às margens do rio Iriri, o
governo, em caráter oficial, oferecia, exatamente a gente com o seu perfil,
12 Anúncio da construtora Queiroz Galvão, responsável pela construção do trecho Altamira-Itaituba da
rodovia Transamazônica (Realidade, ano VI, n. 67, Especial “Amazônia”. [São Paulo], Ed. Abril, out.
1971. p. 316).
13 Anúncio do Montepio Nacional dos Bancários – MNB (Realidade, op. cit., p. 325).
14 Manchete, Edição Especial “Amazônia: um novo Brasil”. Rio de janeiro, Bloch, fev. 1973. p. 53.
15 Ibid., p.78s
16 Martins, Expropriação e violência..., passim.
48
generosíssimos incentivos fiscais (por meio, por exemplo, do Fidam – Fundo
para Investimentos Privados do Desenvolvimento da Amazônia). Era
“dinheiro de graça”, o valor financiado poderiam chegar a ter 100% de
dedução em Imposto de Renda, além de um amplo suporte de recursos
financeiros. Daí veio a adesão do grande capital nacional e estrangeiro à
Operação Amazônia, e dessa adesão, uma nova e violentíssima onda de
expropriações de índios e populações tradicionais.17
Certamente, esse foi um atrativo que pesou na balança de JV. O
subsídio do capital investido nessas terras era, por si, uma considerável
fonte de lucro.
Até julho de 1977, a Sudam havia aprovado 336 projetos agropecuários em
que seriam investidos mais de 7 bilhões de cruzeiros. Dessa importância,
apenas 2 bilhões correspondiam a recursos próprios das empresas. Os
restantes 5 bilhões, mais de 70% do total, seriam provenientes dos incentivos
fiscais – imposto de renda não pago com a condição de que fosse investido em
projetos na área amazônica. Considerando que grande parte do capital
próprio se refere ao preço da terra, geralmente sobrestimado na contabilidade
das empresas, e que essa terra foi grilada ou adquirida a preço insignificante,
temos a proporção do incentivo fiscal é muito maior.18
A mensagem não poderia ser mais clara. Era a conversão do dinheiro
do povo em subsídios voltados ao grande capital para ele ficar ainda maior,
para ele invadir terras e expulsar seus ancestrais ocupantes que ali tinham
seu trabalho, suas vidas e seus mortos. O mesmo vemos em uma pitoresca
publicação, desta vez da Sudam, Investimentos privilegiados na Amazônia:
manual de orientação a contribuintes do imposto de renda, empresários e
empreendedores, para investir na Amazônia com recursos decorrentes da
política de incentivos fiscais federais em favor dessa Região. O manual
sintetiza a postura política, assumida publicamente pelo governo federal, de
ataque ao antigo morador a fim de “limpar a terra” para o grande investidor:
17 Cf. Oliveira, A fronteira amazônica...
18 Martins, Os camponeses e a política..., p. 118s.
49
Os sistemas agrários de uso de terra na Amazônia comportam dois tipos
distintos:
a) extensivos, rotineiros ou tradicionais;
b) intensivos, progressistas ou modernizados.
O sistema extensivo caracteriza pela lavoura itinerante, predatória e antieconômica,
vinculada aos traços culturais tradicionais e empíricos da
Região. Por isso mesmo não recebe nenhum estímulo ou amparo dos órgãos
oficiais regionais. O segundo tipo – lavoura intensiva – já é praticada com
entusiasmo em grande parte do território do que é exemplo frisante a
cultura da pimenta-do-reino, onde a aplicação da tecnologia vai desde o
emprego da ciência agronômica até a mecanização. [...] Compete,
especialmente, ao homem das zonas desenvolvidas do País, utilizar os
fatores fiscais que a política econômica do governo federal lhe proporciona, e
investir na Amazônia, introduzir novas técnicas para melhor aproveitar o
seu potencial de riqueza.19
E assim foi naquelas bandas do rio Iriri: “a lavoura itinerante,
predatória e anti-econômica, vinculada aos traços culturais tradicionais e
empíricos da região”, não recebeu “nenhum estímulo ou amparo dos órgãos
oficiais”, aliás, esses patrocinaram quem os expropriou.
E assim chegou a Juvilândia, encabeçada por um “homem das zonas
desenvolvidas do País”, sabendo como “utilizar os fatores fiscais que a
política econômica do governo federal lhe proporciona”.
A população tradicional foi expulsa e suas terras entregues ao grande
latifundiário/grileiro, que, para isso, ainda foi patrocinado às custas do
erário público. O curioso é que isso se legitimava, também, com um sotaque
de preservação ambiental no discurso.
19 SUDAM. Investimentos privilegiados na Amazônia. Banco da Amazônia, 1968?. p. 163 e 166.
[Agradecemos a indicação a Rúben Valbuena Barrenechea].
50
2.2.2. A devastação patrocinada
Os projetos iniciais da Juvilândia foram extração de seringa e
plantação de cacau. Ambos fracassados, enquanto, quase simultaneamente,
JV dava ordens para derrubar os seringais para a implantação de pastos.
Seringa, cacau e pecuária: todos eram projetos subsidiados, então. As
próprias narrativas dos ribeirinhos quando se referem à extração de látex e
à plantação de cacau da Juvilândia usam a expressão “projeto”. Comumente
ouvimos “depois que fracassou o projeto da seringa, veio o projeto do cacau”.
O próprio JV comentou ter se beneficiado “alguma vez” dos programas
de incentivo, porém, segundo ele, não aproveitou todas as oportunidades
porque “era muita enrolação, tinha que ficar esperando e eu não tinha
tempo pra isso”.
De qualquer forma, as instalações e equipamentos, hoje em ruínas,
mostram a fartura do investimento feito. Por exemplo, foi montada uma
serraria equipada com maquinário importado apenas para a construção das
instalações da fazenda. Em um cemitério de veículos, vários jipes e
caminhonetes que à época eram caríssimos. A casa sede era servida por
sistema de energia elétrica vinda de um potente grupo gerador instalado a
uma boa distância da casa.
No início da década de 1980, já estavam sendo abertas as pastagens.
Foram cerca de 6 mil ha de seringais e castanhais derrubados onde
pastaram até 5.000 cabeças de gado. Isso perdurou até por volta de 1997,
quando a deterioração dos pastos e das instalações foi reduzindo o número
de cabeças e impossibilitando seu manejo.
51
A imagem da conversão do dinheiro público gasto em subsídios voltados a
grandes empresários e industriais do Centro-Sul
A serraria equipada com maquinário importado – muito moderno para a
época – foi instalada apenas para as construções da própria fazenda, como
casa de empregados e a grande casa sede (foto da direita)
A suntuosa casa sede não mais foi usada por JV depois de 1997. Sua última
serventia, nessa época, foi abrigar os empregados de Osmar Ferreira que
dizimavam o mogno da região em conluio com JV.
Após a apreensão do mogno em 2003, tudo mergulha no completo abandono.
52
Vista externa e interna da cantina, hoje desativada. No chão, ainda estão
minutas de contrato de trabalho e fichas com as contas dos empregados.
Segundo JV, “a gente encomendava pelo telefone e vinham mais de 50
maranhenses pra trabalhar”.
2.2.3. A pecuária
No início da década de 1980, já estavam sendo abertas as pastagens.
Foram cerca de 6 mil ha de seringais e castanhais derrubados onde
pastaram até 5.000 cabeças de gado. Isso perdurou até por volta de 1997,
quando a deterioração dos pastos e das instalações foi reduzindo o número
de cabeças e impossibilitando seu manejo.
Hoje, há um quadro preocupante sob o aspecto fito-sanitário. Há mais
de mil cabeças de gado soltas pelas capoeiras e resquícios de pasto da
Juvilândia, sem controle nenhum de vacinação. Um gado selvagem e bravo,
sem nunca ter tido contato com humano.
Por volta de 2004, ocorreu a última venda de gado, “foi quando saiu a
última ‘barcada’ que teve pra rua”, conta um beiradeiro. Depois disso,
acabaram-se por completo os currais e as cercas, não havendo mais como
embarcar o gado.
Seja a sede, sejam os pastos, maquinários, instalações... Enfim, tudo
mergulha em abandono depois de 2003. Adiante entenderemos o por quê
dessa data como marco.
53
Situação das pastagens da Juvilândia.
Apenas há resquícios de pastagens nas áreas alagáveis.
Resquícios do curral que ligava ao porto de atracação da balsa de transporte
de gado. Foi daí que, por volta de 2004, o gado foi manejado e embarcado
para ir para Altamira, na última venda de feita pela Juvilândia.
54
O gado foi uma atividade intensa na Juvilândia. Mesmo com cerca de
6.000 ha de pastos, havia “falta de espaço” para o número de cabeças em
engorda pretendido. JV, então, alçava mão de uma parceria muito comum em
áreas de pecuária: fazia a etapa da “cria”, da reprodução, em parceria com
pequenos colonos (ou, não tão pequenos, grileiros). As vacas prenhes, em
início de gestação eram enviadas à terra do parceiro e, 30% da produção cabia
ao dono da terra, 70%, a JV, dono do gado.
JV também investe em gado também em outra área em Altamira: a
Fazenda Modelo, aparentemente, uma fazenda não em abandono como a
Juvilândia.
As duas são administradas por Darcy Delfino de Paula20, homem de
confiança de JV, com quem trabalha há mais de 44 anos. Comenta-se na
região de sua incontestável lealdade a JV e de sua suposta participação no
massacre do Morro do Galego. Quito, como é mais conhecido, Darcy Delfino de
Paula, hoje se ocupa essencialmente da pecuária na Fazenda Modelo.
2.2.4. A madeira
Não obstante a pecuária ter tido seus dias na Juvilândia, parece, de
fato, nunca ter sido a principal atividade da fazenda. Inicialmente, como
vimos, depois da seringa e do cacau, a pecuária foi uma forma de se deleitar
das generosidades financeiras do governo àqueles dedicados à devastação da
Amazônia.
Após o fim dos programas de incentivos governamentais, JV começa a
se voltar à extração madeireira. O movimento é gradativo, à medida que os
incentivos vão diminuindo, a procura da madeira na região vai aumentando,
particularmente, do mogno e do cedro, duas madeiras fartas nas terras
apropriadas pela Juvilândia.
A década de 1990 já começa sob a cobiça desenfreada pelo mogno. E a
20 Darcy Delfino de Paula, brasileiro, solteiro, gerente da Juvilândia Empreendimentos da Amazônia, CPF
208279037-590, residente à rio Tancredo Neves, 1117, Altamira/PA, CEP 68327590.
55
Juvilândia neste tempo já tinha contratado o principal explorador de mogno
da madeireira Bannach e se associado às madeireiras Marajoara e Vargas &
Vargas, de Polaco. O explorador recebia, inicialmente, US$ 12,00 por m3 de
mogno explanado. Pouco tempo depois, seus pagamentos diminuíram para
US$ 8,00 por m3.21
Todos os custos de exploração cabiam às madeireiras e JV abocanhava
50% da volumetria explanada. Segundo os madeireiros consultados, isso era
um acordo leonino por parte do dono da terra. Porém, há que se relativizar
esses parâmetros, pois, via de regra, a madeira é roubada ou comprada a
preços vis de grupos indígenas, ribeirinhos ou de colonos.
Marajoara e Vargas & Vargas exploram a Juvilândia até por volta de
1994/1995. E, logo em seguida, JV se conchava a Osmar Ferreira, o afamado
Rei do Mogno. Em 1997, a luxuosa casa sede da fazenda torna-se um
acampamento e escritório para os trabalhadores de Osmar Ferreira.
O conluio entre a JV e Osmar Ferreira era pensado com algo para longo
prazo. Na época da grande apreensão da madeira, o “Rei do Mogno” estava
construindo com estrutura metálica uma ampla serraria junto às instalações
da Juvilândia. Após a apreensão da madeira, as obras foram paralisadas.
21 Informações obtidas por meio de depoimentos de ex-funcionários e outras pessoas ligadas às
atividades de formas variadas. Para garantia de segurança desses informantes, suas identidades
não serão mencionadas.
56
Aí, então, aquelas terras conhecem a verdadeira fúria da exploração do
mogno. Só em uma operação, em 29 de outubro de 2001, o Ibama apreendeu
5.385 m3 de mogno e 1.169 m3 de cedro na Juvilândia, um volume avaliado na
época em mais de US$ 7 mi.
A apreensão da madeira (que todos na região creditam como feito às
ordens da CR Almeida) parece ter sido um marco a partir do qual houve um
grande abandono da Juvilândia.
Após a madeira ser apreendida, Osmar Ferreira recusou-se a pagar
uma grande quantia que, segundo um informante que gerenciava a sociedade,
era de grande vulto. Os negócios na indústria têxtil de JV não iam bem e ele
parece ter sido abalado pelo calote do “Rei do Mogno”.
Beiradeiros que acompanharam o desenrolar dos fatos, contam que os
homens de Osmar Ferreira, muito bem equipados com rádios e telefones
global star, ficaram sabendo com três dias de antecedência que a Polícia
Federal e o Ibama iriam chegariam. Graças a isso, foi possível remover do
local parte do maquinário, tratores e caminhões e cerca de 200 homens que
trabalhavam na extração madeireira, ainda assim, foram apreendidos 28
caminhões, dois tratores de grande porte, uma balsa e 10 carros.
As máquinas vinham de Novo Progresso e Redenção, dois conhecidos
redutos de atuação de Osmar Ferreira. Também os ribeirinhos falam em
funcionários do Ibama associados a serraria e em conluio com Osmar
Ferreira, roubaram muito mogno e cedro apreendido.
Enfim, a apreensão mostra o volume e as cifras com as quais JV esteve
às voltas na época da exploração madeireira. A atividade pecuária ficou
completamente relegada ao roubo de madeira. Ainda assim, não diríamos que
essa foi o principal interesse econômico da Juvilândia. Com segurança pode-se
afirmar que a grande perspectiva de lucro não estava no que se iria extrair ou
produzir daquelas terras, mas, exatamente, na própria terra, na grilagem da
terra.
57
2.2.5. A terra: grilagem e colonização privada
2.2.5.1. Dominialidade das terras sob controle da
Juvilândia
Júlio Vito Pentagna Guimarães conta que em 1979 foi procurado por
um coronel da polícia militar mineira, Waldir Rosa Nazareth, que lhe
apresentou uma documentação de posse de uma área expedida em 1923.
Tratava-se de uma posse em nome de Raimundo Oliveira e era descrita nos
documentos como “Sorte de terras Seringal Rio Carajari”, medindo 70 km à
margem direita do rio Iriri e 200 km de profundidade, totalizando a área de
840 mil ha.
A principal intenção de JV era empreender uma colonização privada,
tendo, inclusive, instituído uma firma especificamente para isso, a Lester
Indústria e Comércio Ltda. Seu ex-genro, o médico Francisco Henrique
Lanna Wykrota, que se afastou de JV após 1985, quando começou uma
interminável batalha jurídica pela guarda dos filhos, diz que no final da
década de 1970 participou da compra da área. Explica também que a grande
motivação e inspiração para o projeto da compra da área foi o projeto de
colonização privada empreendido pela empresa Andrade Gutierrez.
As matrículas do cartório de Altamira, porém, desdizem a narrativa de
JV. A princípio, é impossível ele ter comprado a terra em 1979, se, já em 1977
58
há abertura e averbações em matrículas registrando a negociação.
JV constituiu duas empresas que se ligaram a grilagem da terra:
• Juvilândia Empreendimentos da Amazônia S.A., CNPJ
05.442.488/0001-21, com endereço na Rua Tancredo Neves, 117,
Altamira/PA, CEP: 68.372-590 e;
• Lester Indústria e Comércio Ltda., CNPJ 32.351.090/0001-05,
com endereço na Rua Silva Jardim, n° 344, Loja “C”, na cidade
de Valença/RJ.
Somando-se as áreas registradas no cartório de Altamira, nas quais há
o envolvimento de Júlio Vito Pentagna Guimarães, de Lester Indústria e
Comércio Ltda. ou de Juvilândia Empreendimentos da Amazônia S/A.,
encontramos a assustadora extensão de 1.365.667 ha (um milhão, trezentos e
sessenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e sete hectares).
Essa área está matriculada em diversos nomes, segundo vemos abaixo:
5%
48%
38%
7%
2%
Juvilândia Empreendimentos da Amazônia S/A - 74.000 ha
Lester Indústria e Comércio Ltda - 654.275 ha
Terceiros - 101.580 ha
Darcy Delfino de Paula - 515.212 ha
Semasa-Serraria Marajoara S/A Ind. Com. - 10.000 ha
Proporção de distribuição
entre os titulares das
matrículas da área
controlada pela Juviândia
59
Origem Nome do imóvel Matrícula Área (ha) Titular
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 58 2461 3.000 Airton Nogueira e Vera Diniz
Nogueira
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 67 2471 3.000 Antônio Sérgio Neves Medeiros
Lester Indústria e
Comércio Ltda
Sem
denominação 1563 3.000 Benjamim Vito Pentagna
Guimarães
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 60 2458 3.000 Carlos Henrique Conceição
Guedes
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 65 2475 3.000
Carlos Roberto Macedo da
Rocha e Adriana Glória de
Santana da Rocha
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 53 2459 3.000 Celso Pousa Costa Filho
Odilio Gomes da Silva Fazenda
Rheicron II 4228 370.700 Darcy Delfino de Paula
Domingos Correia da
Silva
Fazenda
Rheicron 4227 144.512 Darcy Delfino de Paula
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 75 2473 2.800 Elcio Guimarães de Souza
Julio Vito Pentagna
Guimarães
Parte da Posse
Carajari n.º 08 4186 3.000 Epaminondas Alves dos Santos
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 76 2464 3.000 Evaldo Paes
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 61 2463 3.000 Fernando José Salles Ávila
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 73 2469 3.000
Florisvaldo dos Reis Abreu e
Maria Aparecida de Oliveira
Abreu
Hélio de Castro
Tameirão
Parte da Posse
Carajari n.º 01 4185 3.000 Francisco Henrique Lanna
Wykrota
Lester Indústria e
Comércio Ltda
Sem
denominação 1555 3.000 Francisco Henrique Lanna
Wykrota
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 66 2479 3.000 Geraldo Petrilio Filho e Sandra
Maria Hofman Petrilio
Carlos Henrique
Conceição Guedes
Parte da Posse
Carajari n.º 60 4184 3.000 Gilberto Mazzeo Pereira
Lester Indústria e
Comércio Ltda
Sem
denominação 1557 3.000 Humberto Vito Rebecco
Pentagna
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 39 2460 3.000 Jarcelino Menezes e Maria Fraga
Menezes
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 64 2468 3.000 José Cesário de Castro e
Jussara Rodigheri de Castro
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 69 2467 3.000 José Maria Neves de Medeiros
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 41 2476 3.000 José Maria Neves de Medeiros
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 59 2466 3.000 Jovelino Coutinho de Silveira
Benjamim Vito
Pentagna
Parte da Posse
Carajari n.º 10 4126 3.000 Julio Mourão Guimarães Neto
Espólio de Herval
Lopes
Parte da Posse
Carajari n.º 04 4127 3.000 Julio Mourão Guimarães Neto
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari 563 2.980 Júlio Vito Pentagna Guimarães
60
Origem Nome do imóvel Matrícula Área (ha) Titular
Corina Dias de Oliveira
Parte da Posse
Carajari,
denominada Faz.
Minas Gerais
2533 74.000 Juvilândia Empreendimentos da
Amazônia S/A
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari 2533 654.275 Lester Indústria e Comércio Ltda
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 67 2478 3.000 Luiz Fernando Nacarate e Ceila
Maria Leal Nacarate
Lester Indústria e
Comércio Ltda
Sem
denominação 1561 3.000 Manbred Richard Willner
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 42 2472 2.800 Márcio Cabral e Marina Toledo
Cabral
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 43 2470 3.000 Osmar Ferreira de Figueiredo e
Elizabeth Berger de Figueiredo
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 62 2462 3.000 Osvaldo Pedrosa Castelo e
Angela Maria Romeiro Castelo
Lester Indústria e
Comércio Ltda
Sem
denominação 1559 3.000 Paulo Lipiani Pentagna
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 71 2465 3.000 Pedro Paulo La Veja Van Gasse
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 68 2477 3.000 Sebastião Guimarães Souza e
Mirian Souza Rezende
Lester Indústria e
Comércio Ltda
Fazenda Rio
Branco I 4650 10.600 Semasa-Serraria Marajoara S/A
Indústria Comércio e Exportação
Darcy Delfino de Paula Fazenda Rio
Branco II 4649 10.000 Semasa-Serraria Marajoara S/A
Indústria Comércio e Exportação
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 69 2474 3.000 Sérgio Guimarães Nachly
Corina Dias de Oliveira Parte da Posse
Carajari n.º 40 2467 3.000 Vicente de Paula Souza Guedes
61
Sejam falsas ou verdadeiras, essas são inscrições no Cartório de
Registro Imobiliário de Altamira, isso significa que só podem ser
desconstituídos via judicial. Para que a área seja registrada formalmente em
nome do órgão gestor da unidade de conservação, no caso a Resex Rio Iriri,
há que se efetivar a indenização, caso sejam títulos válidos, ou a
desconstituição judicial, no caso – como o que se mostra aqui – de títulos não
lídimos.
Nas duas hipóteses, é necessária a notificação individual e pessoal de
cada um dos detentores desses títulos e, geralmente, localizar essas pessoas
é uma das tarefas que emperra o processo, pois, se não localizadas as partes
interessadas, a coisa perde-se em um labirinto burocrático infindável.
Por conta disso, realizamos um levantamento acerca das matrículas e
de seus titulares, incluindo dados de onde eles podem ser localizados e seu
nível de relação com JV.
Outro dos comuns entraves nos processos de retomadas de terras
públicas refere-se ao fato da dificuldade de se separar os verdadeiros
responsáveis dos “laranjas” usados nos golpes. O Procurador da República
em Altamira, Marco Antonio Delfino, acreditava, inicialmente, que os
adquirentes de terras da Lester ou de JV não se tratassem de laranjas22.
Com efeito, são pessoas sem o perfil característico daquele que “emprestam
nomes” ou são usados à revelia, sem o saberem em golpes de grilagem. Os
compradores de terras na Juvilândia são freqüentadores dos altos círculos
sociais, incluindo um prefeito e um renomado cirurgião. Porém, como se verá
abaixo, os contatos com diversos dos adquirentes mostraram que, realmente,
tratavam-se de laranjas, mas de um tipo sui generis, um laranja que tem o
que perder e pode ser muito bem aproveitado nas ações que se forem propor.
Todas as matrículas abaixo são inscritas no Registro Imobiliário de
Altamira.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-A FOLHAS: 209/213 MATRÍCULA: 0563
DATA: 14/09/1977 REGISTRADO: 26/08/1975
ÁREA: 2.980,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Governo do Estado do Pará; Corina Dias de Oliveira;
Waldir Rosa Nazareth e Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna
Guimarães.
Júlio Vito Pentagna Guimarães, brasileiro, casado, industrial, R.G.
6.400.648 – RJ, CPF 145.667.889-20, residente na Rua Vito Pentagna,
n° 470, Centro, Valença/RJ, CEP: 27.600-000, tel. 24 2453 3396 (res.)
21 9808 0016 (cel.).
22 Comunicação pessoal, Altamira, marco de 2007.
62
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, denominada
Fazenda Minas Gerais
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 176vº/177 MATRÍCULA: 2.533
DATA: 10/08/1981
ÁREA: 74.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Waldir Rosa
Nazareth; Juvilândia Empreendimentos da Amazônia S/A.
Juvilândia Empreendimentos da Amazônia S/A, CNPJ
05.442.488/0001-21, com endereço na Rua Tancredo Neves, 117,
Altamira/PA, CEP: 68.372-590.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Posse denominada Rio Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-D FOLHAS: 5vº/6vº MATRÍCULA: 2.533
DATA: 09/03/1979
ÁREA: 654.275,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda.
Lester Indústria e Comércio LTDA. CNPJ 32.351.090/0001-05, com
endereço na Rua Silva Jardim, n° 344, Loja “C”, na cidade de
Valença/RJ.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 60
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 127vº/128 MATRÍCULA: 2.458
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Carlos Henrique Conceição Guedes.
Não localizado
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 53
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 128vº/129 MATRÍCULA: 2.459
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
63
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Celso Pousa Costa Filho.
Celso Pousa Costa Filho
End. Com. Retifica de Motores
Rua Barão Guapi, 31 – Centro
Barra Mansa – RJ
Tel: (24) 3323-2019
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 39
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 129 e v.º MATRÍCULA: 2.460
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Jarcelino Menezes e Maria Fraga Menezes.
Não localizado
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 58
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 130 e vº MATRÍCULA: 2.461
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Airton Nogueira e Vera Diniz Nogueira.
Airton Nogueira
Tel: (24) 2453-3291
Rua Martinho Lutero, 55
Santa Cruz - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 62
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 130/131vº MATRÍCULA: 2.462
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
64
Comércio Ltda; Osvaldo Pedrosa Castelo e Angela Maria Romeiro
Castelo.
João Pedrosa Castelo
Tel: (32) 3233-1055
Rua Leonildo Gonçalves Regado, 46
Aeroporto - Juiz de Fora - MG
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 61
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 131vº/132 MATRÍCULA: 2.463
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Fernando José Salles Avila.
Jose Carlos Salles Ávila
Tel: (24) 2452-2847
Rua Alcides de Sousa, 54
Belo Horizonte - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 76
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 132vº MATRÍCULA: 2.464
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Evaldo Paes.
Evaldo Paes é inscrito na Dívida Ativa de Valença-RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 71
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 133vº MATRÍCULA: 2.465
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Pedro Paulo La Veja Van Gasse.
65
Pedro Paulo de La Vega Van Gasse
Tel: (24) 2452-1549
Rua Cdor. Antonio Jannuzzi, 183 – Bl. 1
Quirino - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 59
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 133vº/134 MATRÍCULA: 2.466
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Jovelino Coutinho de Silveira.
Beatriz Coutinho da Silveira
Tel: (24) 2452-2589
Rua Julio Xavier, 240
Laranjeiras - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 41
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 134/135 MATRÍCULA: 2.467
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; José Maria Neves de Medeiros.
Geraldo Neves Medeiros
Tel: (24) 2452-0100
Rua Carneiro Mendonça, 185
Centro - Valença - RJ
Antonio Sergio Neves Medeiros
Tel: (24) 2452-1736
Rua Dr. Figueiredo, 1471
Centro - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 40
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 15/136vº MATRÍCULA: 2.467
DATA: 09/04/1981
66
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Vicente de Paula Souza Guedes.
Vicente de Paula de Souza Guedes é prefeito de Rio das Flores e
presidente da Apremerj, Associação de Prefeitos do Estado do Rio de
Janeiro (Apremerj).
Vicente de Paula de Souza Guedes
Tel: (24) 2458-0444
Rua Pref. Marcelino Vale, 158
Centro - Rio das Flores - RJ
Vicente de Paula de Souza Guedes
Tel: (24) 2452-0407
Rua Raif Tabet, 130
Benfica - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 64
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 135vº/136 MATRÍCULA: 2.468
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; José Cesário de Castro e Jussara Rodigheri de Castro.
Jussara Rodegheri de Castro
Tel: (24) 2453-4786
Rua Dr. Osvaldo Terra, 245
Centro - Valença – RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 73
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 136/137 MATRÍCULA: 2.469
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Florisvaldo dos Reis Abreu e Maria Aparecida de
Oliveira Abreu.
Florisnaldo dos Reis Abreu
67
Tel: (24) 2452-0536
Rua David Alves dos Santos, 478
Pq. Pentagna - Valença - RJ
Elisa de Abreu Reis
Tel: (24) 2452-8108
Rua Francisca Esteves, 770
Varginha - Valença - RJ
Elisangela de Abreu Reis
Tel: (24) 2452-8202
Rua Francisca Esteves, 770
Varginha - Valença - RJ
Jose Carlos de Abreu Reis
Tel: (24) 2452-8235
Rua Francisca Esteves, 770
Varginha - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 43
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 137 MATRÍCULA: 2.470
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Osmar Ferreira de Figueiredo e Elizabeth Berger de
Figueiredo.
Osmar Ferreira de Figueiredo
Tel: (24) 2452-4839
Trav. Iracema Ramos Nogueira, 111
Fátima - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 67
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 137vº/138vº MATRÍCULA: 2.471
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Antônio Sérgio Neves Medeiros.
Geraldo Neves Medeiros
68
Tel: (24) 2452-0100
Rua Carneiro Mendonça. 185
Centro - Valença – RJ
Antonio Sergio Neves Medeiros
Tel: (24) 2452-1736
Rua Dr. Figueiredo, 1471
Centro - Valença – RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 42
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 138vº/139 MATRÍCULA: 2.472
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 2.800,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Márcio Cabral e Marina Toledo Cabral.
Marcio Cabral
Tel: (24) 2452-2576
Rua Américo Silveira, 125
Centro - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 75
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 139 e vº MATRÍCULA: 2.473
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 2.800,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Elcio Guimarães de Souza.
Mauri César Guimarães de Souza
Tel: (24) 2452-1835
Rua Dr. Cleber Neves Esplanada Cru, 113
Benfica - Valença - RJ
Mauri César Guimarães de Souza
Tel: (24) 2453-4417
Rua David Alves dos Santos, 375
Pq. Pentagna - Valença – RJ
69
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 69
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 140 e vº MATRÍCULA: 2.474
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Sérgio Guimarães Nachly.
Ane Cristina Nachly Ramos
Tel: (24) 2452-6922
Rua Antonio Rocha, 229
Joao Bonito - Valença – RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 65
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 140vº/141 MATRÍCULA: 2.475
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Carlos Roberto Macedo da Rocha e Adriana Glória de
Santana da Rocha.
Carlos Roberto Macedo da Rocha
Tel: (24) 2453-1000
Av. Geraldo Lima Bastos, 4 - Casa 1
Barroso - Valença – RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 41
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 141 e vº MATRÍCULA: 2.476
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; José Maria Neves de Medeiros.
Geraldo Neves Medeiros
Tel: (24) 2452-0100
Rua Carneiro Mendonça, 185
Centro - Valença – RJ
70
Antonio Sergio Neves Medeiros
Tel: (24) 2452-1736
Rua Dr. Figueiredo, 1471
Centro - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 68
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 141vº/142 MATRÍCULA: 2.477
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Sebastião Guimarães Souza e Mirian Souza Rezende.
Mauri Cesar Guimarães de Souza
Tel: (24) 2452-1835
Rua Dr. Cleber Neves Esplanada Cru, 113
Benfica - Valença – RJ
Mauri Cesar Guimarães de Souza
Tel: (24) 2453-4417
Rua David Alves dos Santos, 375
Pq Pentagna - Valença – RJ
Sebastião Guimarães Souza é Diretores Administrativos da Rede
AVERJ SUPERMERCADOS (tel: (24) 3350-7050)
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 67
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 142vº/143 MATRÍCULA: 2.478
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Luiz Fernando Nacarate e Ceila Maria Leal Nacarate.
Luiz Fernando Lacerda Nacarat da Silva
Tel: (24) 2452-2908
Rua Martin Lutero, 232
Santa Cruz - Valença – RJ
Maria do Rosario Nacarate
Tel: (24) 2453-2356
Rua Jose Tabet, 10
71
Chacrinha - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Parte da Posse Rio Carajari, designada área
nº 66
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-F FOLHAS: 143 e vº MATRÍCULA: 2.479
DATA: 09/04/1981
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Corina Dias de Oliveira; Waldir Rosa Nazareth e
Antônio Rosilio; Julio Vito Pentagna Guimarães; Lester Indústria e
Comércio Ltda; Geraldo Petrilio Filho e Sandra Maria Hofman
Petrilio.
Geraldo Petrilio Filho é inscrito na Dívida Ativa de Valença-RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote nº 10 da Gleba Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-J FOLHAS: 23/24vº MATRÍCULA: 4.126
DATA: 27/01/1986
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Benjamim Vito Pentagna; Julio Mourão Guimarães
Neto.
OBSERVAÇÃO: não consta título.
Benjamim Vito Pentagna Guimarães é irmão de Júlio Vito Pentagna
Guimarães.
Julio Mourão Guimarães Neto é filho (ou sobrinho) de Júlio Vito
Pentagna Guimarães.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote nº 04 da Gleba Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-J FOLHAS: 24vº/25vº MATRÍCULA: 4.127
DATA: 27/01/1986
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Espólio de Herval Lopes; Julio Mourão Guimarães
Neto.
OBSERVAÇÃO: não consta título.
Julio Mourão Guimarães Neto é filho de Benjamim Vito Pentagna
Guimarães e sobrinho de Júlio Vito Pentagna Guimarães.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote nº 60 da Gleba Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-J FOLHAS: 91vº/92vº MATRÍCULA: 4.184
72
DATA: 04/08/1986
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Carlos Henrique Conceição Guedes; Gilberto Mazzeo
Pereira.
OBSERVAÇÃO: não consta título.
Gilson Mazzeo Pereira
Tel: (24) 2453-6332
Rua Cdor Araujo Leite, 436
Jd. Alianca - Valença – RJ
Gisele Mazzeu Pereira
Tel: (24) 2453-1461
Rua Duque de Caxias, 39
Monte D’Ouro - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote nº 01 da Gleba Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-J FOLHAS: 92vº/93 MATRÍCULA: 4.185
DATA: 04/08/1989
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Hélio de Castro Tameirão; Francisco Henrique Lanna
Wykrota.
OBSERVAÇÃO: não consta título.
Hélio de Castro Tameirão é irmão da esposa de Júlio Vito Pentagna
Guimarães. Ferroviário aposentado, aparentemente, uma pessoa
muito simples que diz não ter terra nenhuma. “Pode estar no meu
nome, mas não é minha, eu nunca nem fui lá. Deve ser do Julio Vito,
ele deve ter posto no meu nome.”23
Hélio de Castro Tameirão – Rua República Argentina, 608, ap 103
Sion – Belo Horizonte – MG.
Tel – 31 3221 9465
Francisco Henrique Lanna Wykrota é ex genro de Júlio Vito
Pentagna Guimarães, envolvido em interminável batalha jurídica
pela guarda dos filhos.
Francisco Henrique Lanna Wykrota, brasileiro, divorciado, médico
CRM-MG 7182
Einco Biomaterial Ltda.
CGC 00.332.420/0001-75
Av. André Cavalcanti, 63 - Gutierrez
Belo Horizonte - MG - 30430-110
23 Hélio de Castro Tameirão, comunicação pessoal, telefonema em 14/03/2008.
73
www.eincobio.com.br
tel – 31 3335-2905
Francisco Henrique Lanna Wykrota é o representante legal da
EINCO BIOMATERIAL LTDA, à Rua André Cavalcanti
63, Gutierrez, Belo Horizonte – MG, inscrita no CNPJ n°
00.332.420/0001-75.
Diz que no final da década de 1970 participou da compra da área.
Estavam inspirados no projeto de colonização empreendido pela
Andrade Gutierrez.
Porém, separou-se em 1985 da filha de Júlio Vito e desligou-se
completamente da área, tendo transferido sua parte.
Pelo que ele se lembra, ele transferiu para Hélio de Castro Tameirão.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote n.º 08 da Gleba Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-J FOLHAS: 93vº/94 MATRÍCULA: 4.186
DATA: 04/08/1989
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Julio Vito Pentagna Guimarães; Epaminondas Alves
dos Santos.
OBSERVAÇÃO: não consta título.
Epaminondas Alves dos Santos Junior
Tel: (24) 2452-2230
Est. Machado, 2120
Cambota - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote s/nº
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-D FOLHAS: 060vº/062 MATRÍCULA: 1.555
DATA: 21/06/1979
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Lester Indústria e Comércio Ltda; Francisco Henrique
Lanna Wykrota.
OBSERVAÇÃO: não consta Título!
Hélio de Castro Tameirão é irmão da esposa de Júlio Vito Pentagna
Guimarães. Ferroviário aposentado, aparentemente, uma pessoa
muito simples que diz não ter terra nenhuma. “Pode estar no meu
nome, mas não é minha, eu nunca nem fui lá. Deve ser do Julio Vito,
ele deve ter posto no meu nome.”24
24 Hélio de Castro Tameirão, comunicação pessoal, telefonema em 14/03/2008.
74
Hélio de Castro Tameirão – Rua República Argentina, 608, ap 103
Sion – Belo Horizonte – MG.
Tel – 31 3221 9465
Francisco Henrique Lanna Wykrota é ex genro de Júlio Vito
Pentagna Guimarães, envolvido em interminável batalha jurídica
pela guarda dos filhos.
Francisco Henrique Lanna Wykrota, brasileiro, divorciado, médico
CRM-MG 7182
Einco Biomaterial Ltda.
CGC 00.332.420/0001-75
Av. André Cavalcanti, 63 - Gutierrez
Belo Horizonte - MG - 30430-110
www.eincobio.com.br
tel – 31 3335-2905
Francisco Henrique Lanna Wykrota é o representante legal da
EINCO BIOMATERIAL LTDA, à Rua André Cavalcanti
63, Gutierrez, Belo Horizonte – MG, inscrita no CNPJ n°
00.332.420/0001-75.
Diz que no final da década de 1970 participou da compra da área.
Estavam inspirados no projeto de colonização empreendido pela
Andrade Gutierrez.
Porém, separou-se em 1985 da filha de Júlio Vito e desligou-se
completamente da área, tendo transferido sua parte.
Pelo que ele se lembra, ele transferiu para Hélio de Castro Tameirão.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote s/nº
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-D FOLHAS: 062vº/063 MATRÍCULA: 1.557
DATA: 21/06/1979
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Lester Indústria e Comércio Ltda; Humberto Vito
Ribecco Pentagna.
OBSERVAÇÃO: não consta Título!
Humberto Vito Ribecco Pentagna é primo de Júlio Vito Pentagna
Guimarães, atual proprietário da Fazenda Pau D’alho, em Valença, e
sócio fundador Instituto PRESERVALE, instituição de cunho
ambientalista.
75
É também diretor técnico da empresa Juvilândia Empreendimentos
da Amazônia.
RG 242.335 SSP/RJ
CPF 015.646687-20
Tel: (24) 2453-8520
Tel: (24) 2453-3033
Rodovia RJ-145, s/n - Km 82
Fatima - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote s/nº
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-D FOLHAS: 063vº/064vº MATRÍCULA: 1.559
DATA: 21/06/1979
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Lester Indústria e Comércio Ltda; Paulo Lipiani
Pentagna.
OBSERVAÇÃO: não consta Título!
Paulo Lipiani Pentagna
Tel: (24) 2452-0474
Rua Durval Passos de Melo Lto S S/n
Jd Valença - Valença - RJ
Profissional: CPF: 015636617-72
Nome: Paulo Lipiani Pentagna I.bruto 1.desconto: PENS
-----------------------------------------------------------------------------------------------
Pensionista: CPF:878826987-68
Nome: beatriz de oliveira pentagna
Rua: Silva Jardim, 255
Centro - Valença - RJ
Cep: 27600-000
Agencia Bco: 004049 CC: 00000000269441
Tipo de Pensão: Perc. Pensão: 40,00%
Beatriz de Oliveira Pentagna
Tel: (24) 2452-0276
Rua Silva Jardim, 255
Centro - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote s/nº
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-D FOLHAS: 065vº MATRÍCULA: 1.561
DATA: 21/06/1979
ÁREA: 3.000,0000 ha
76
PROPRIETÁRIO: Lester Indústria e Comércio Ltda; Manbred Richard
Willner.
OBSERVAÇÃO: não consta Título!
Marlene Nossar Willner
Tel: (24) 2452-6391
Rua Vitor Pentagna, 384 - Ap 101
Benfica - Valença - RJ
Marlene Nossar Willner
Tel: (24) 2453-5254
Rua D, 1200
Vale Verde - Valença - RJ
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Lote s/nº
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-D FOLHAS: 066/067 MATRÍCULA: 1.563
DATA: 21/06/1979
ÁREA: 3.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Lester Indústria e Comércio Ltda; Benjamim Vito
Pentagna Guimarães.
OBSERVAÇÃO: não consta Título!
Benjamim Vito Pentagna Guimarães é irmão de Júlio Vito Pentagna
Guimarães.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Fazenda Rheicron
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-J FOLHAS: 199 e vº MATRÍCULA: 4.227
DATA: 30/12/1986
ÁREA: 144.512,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Domingos Correia da Silva; Darci Delfino de Paula.
OBSERVAÇÃO: não consta título.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Fazenda Rheicron II
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-J FOLHAS: 200 MATRÍCULA: 4.228
DATA: 30/12/1986
ÁREA: 370.700,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Odilio Gomes da Silva; Darci Delfino de Paula.
OBSERVAÇÃO: não consta título.
Darcy Delfino de Paula, brasileiro, gerente de empresa,CPF
208.279.037-15, com endereço na R. Tancredo Neves, 1117,
Altamira/PA, CEP: 68.372-590.
77
Darcy Delfino de Paula, homem de confiança de JV, com quem
trabalha há mais de 44 anos. Comenta-se na região de sua
incontestável lealdade a JV e de sua suposta participação no massacre
do Morro do Galego. Quito, como é mais conhecido, Darcy Delfino de
Paula, hoje se ocupa essencialmente da pecuária na Fazenda Modelo.
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Fazenda Rio Branco II da Gleba Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-Q FOLHAS: 161/162 MATRÍCULA: 4.649
DATA: 19/07/1994
ÁREA: 10.000,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Darcy Delfino de Paula; Semasa-Serraria Marajoara
S/A Indústria Comércio e Exportação.
OBSERVAÇÃO: não consta Título!
Serraria Marajoara Indústria Comércio e Exportação Ltda.
CNPJ 05.458.120/0003-12
DENOMINAÇÃO/IMÓVEL: Fazenda Rio Branco I da Gleba Carajari
MUNICÍPIO: Altamira
LIVRO: 3-Q FOLHAS: 162/163vº MATRÍCULA: 4.650
DATA: 19/07/1994
ÁREA: 10.600,0000 ha
PROPRIETÁRIO: Lester Indústria e Comércio Ltda; Semasa-Serraria
Marajoara S/A Indústria Comércio e Exportação.
OBSERVAÇÃO: não consta Título!
Serraria Marajoara Indústria Comércio e Exportação Ltda.
CNPJ 05.458.120/0003-12
78
Entramos em contato com alguns supostos compradores de áreas de
3.000 ha e todos eles deram afirmações como a de Hélio de Castro Tameirão,
irmão da esposa de Júlio Vito Pentagna Guimarães. O Ferroviário
aposentado, aparentemente, pessoa muito simples, diz não ter terra
nenhuma. “Pode estar no meu nome, mas não é minha, eu nunca nem fui lá.
Deve ser do Julio Vito, ele deve ter posto no meu nome.”25
Ao que tudo leva a crer, as alienações são laranjas usados por JV para
abrir as matrículas. Os “proprietários” de terras nas unidades de
conservação da Terra do Meio têm o mais diverso perfil. Alguns são parentes
de JV, e os demais, certamente, conhecidos seus, são quase todos residentes
em Valença. Pessoas sem a menor ligação com aquelas terras, em que vale
ressaltar um prefeito de uma cidade do Rio de Janeiro e um conceituado
cirurgião.
25 Hélio de Castro Tameirão, comunicação pessoal, telefonema em 14/03/2008.
79
2.2.5.2. Vícios evidentes nas matrículas dos imóveis
apoderados pela Juvilândia
A origem dos títulos da Juvilândia compõe-se como mostra o
gráfico abaixo:
Corina Dias de Oliveira
799.855 ha
Odilio Gomes da Silva*
370.700 ha
Domingos Correia da Silva*
144.512 ha
Lester Ind. e Com. Ltda*
25.600 ha
Darcy Delfino de Paula*
10.000 ha
Julio Vito P. Guimarães*
3.000 ha
Hélio de Castro Tameirão*
3.000 ha
Benjamim Vito Pentagna*
3.000 ha
Espólio de Herval Lopes*
3.000 ha
Carlos Henrique C. Guedes*
3.000 ha
Odílio Gomes da
Silva
370.700 ha
Domingos
Correia da Silva
144.512 ha
Corina Dias da Silva
799.855 ha
* Nas respectivas matrículas há a
observação de que
"NÃO CONSTA TÍTULO"
Origem dos imóveis segundo as matrículas do
Cartório de Registro de Imóveis de Altamira - PA.
565.812 ha matriculados sem título
80
De partida, notamos 565.812 ha matriculados sem título, o que
dispensa maiores análises e comentários.
Outros 799.855 ha teriam com origem uma alienação do Estado do
Pará a Corina Dias de Oliveira. Como vimos no capítulo 1, ante uma
exaustiva compilação da legislação agrária paraense, é claríssimo que o
permissivo legal de titulação de terras pelo Estado do Pará limita em 4.356
ha a área máxima regularizáveis pelo Estado.
Teria sido impossível, portanto, o Estado do Pará ter alienado uma
área 184 vezes maior do que o limite máximo que a lei permitia.
Além disso, como comenta o Provimento n.º 13/2006-CJCI, os “títulos
de posse (outorgados pelo Estado ou pelas Intendências), para se
transformar em propriedade e serem aptos à matrícula no registro de
imóveis, estavam sujeitos à legitimação”26. Todos os títulos não legitimados
até 1996 não são mais aptos para tal: “através do Decreto Estadual nº 1.054,
de 14/02/1996, foi declarada a caducidade de todos os títulos de posse não
legitimados”.27
Nas matrículas que da Juvilândia, esses títulos foram levados a
registro e tiveram matricula aberta sem passarem pelo obrigatório processo
de Legitimação da Posse e, portanto, sendo evidente sua caducidade.
26 PARÁ. Poder Judiciário. Corregedoria do Interior. “Provimento n° 013/2006-CJCI”. Diário da Justiça.
nº. 3672, 23 jun. 2006.
27 Id.
81
2.2.6. Situação da área ocupada pela Juvilândia
2.2.6.1. Os limites e os pólos de ocupação
Ainda não tivemos acesso à íntegra das matrículas para poder plotar
precisamente a área da qual JV se diz proprietário. Pudemos ver o mapa da
Juvilândia nas mãos de JV e, de memória e de forma precária, imprecisa e
aproximada, tentou-se reconstituir o desenho da área. Essa imprecisão é
facilmente sanada com o acesso ao memorial descritivo contido nas
matrículas acima mencionada.
Porém, em relação aos limites da Juvilândia no rio Iriri, o mapa que
segue (Mapa 2.1) apresenta uma margem de erro aceitável. Os limites foram
baseados nas informações de JV e coincidem com exatidão aos limites
reconhecidos pelos beiradeiros do Iriri como as fronteiras da fazenda e que
nos foram apontados em campo e georreferenciados. Da mesma forma, pelos
relatos de ribeirinhos e dos índios araras (a quem demos carona e, por conta
disso nos acompanharam e colaboraram muito para o levantamento de
campo), pode-se registrar as coordenadas exatas de todos os pontos de
relevância da Juvilândia.
82
Mapa 2.1
83
Ponto A – Limite à montante da Juvilândia. A grande referência
geográfica do ponto é estar na mesma longitude do Igarapé Dois Irmãos,
afluente da margem esquerda do rio Iriri.
Houve no local um desmatamento de cerca de 100 ha e a formação de
pastagem, hoje completamente degradadas. Só não começou a haver
regeneração da floresta nos locais alagáveis, nas trilhas onde o gado
caminha e, como mostra a foto abaixo, nos pontos onde o gado acessa o rio
para beber água.
Ponto A – limite oeste da Juvilândia
Ponto B – Terceira sede da Juvilândia. Foi implantada
simultaneamente à “segunda sede”. A capoeira deste ponto é a mesma do
ponto anterior, de aproximadamente 100 ha. Essa pastagem foi a primeira a
ser abandonada.
Aparentemente, a área é de grande interesse biológico, pois apresenta
um quadro raro na região e mesmo na Amazônia: uma grande capoeira em
adiantado estágio de regeneração com a presença de um considerável
84
contingente de espécie exótica, gado, que, segundo os relatos colhidos, vem
sendo o principal alimento para as onças.
É sugestivo o fato de os índios arara da TI Cachoeira Seca, caçarem
mais nessa área do que em seu próprio território. Segundo seus relatos, há
mais fartura neste ponto (em relação à outra margem do rio) de jabuti,
queixada, caititu, veado, macaco cuamba, tatu (15 quilos), onça, tamanduábandeira.
Nas caçadas, a preocupação dos índios neste ponto é a enorme
quantidade de gado selvagem que atacam sempre.
Ponto B – Terceira sede da Juvilândia, a mais antiga capoeira e local usado
como ponto de caça pelos índios arara da TI Cachoeira Seca.
Ponto C – O ribeirinho Pedro Assis foi coagido a sair do local onde se
instalou a segunda sede da Juvilândia e mudou-se para esse ponto. Adiante,
no capítulo seguinte, abordaremos mais detalhadamente a história de Pedro
Assis e outros expropriados por JV.
85
Ponto C – Ilha para onde Pedro Assis se mudou após ser expulso da Juvilândia.
Ponto D – Segunda sede da Juvilândia. Antiga morada de Pedro
Assis, localidade Novo Paraíso. Após sua expulsão, ficou conhecido como
Fazendinha. A família de Pedro Assis fundaram outro lugar (na TI
Cachoeira Seca) e o batizaram também de Novo Paraíso, depois disso,
passaram a se referir à morada ancestral como Paraíso Velho.
Ponto D – “Baixão”, onde a floresta não se regenerou. A quase totalidade do pasto de
quase 500 ha está com a capoeira alta, como nas bordas da pequena ilha de capim.
86
Os índios arara da TI Cachoeira Seca evitam caçar neste ponto, pois,
segundo eles, há uma quantidade muito grande de onças.
Há estradas, hoje sem condições de tráfego que ligam essa sede à sede
principal e às explanadas de madeira dos tempos da Marajoara/Vargas &
Vargas e de Osmar Ferreira.
O pasto formado neste ponto, inicialmente, chegava perto de 500 ha.
Como os demais, está tomado pela capoeira de babaçu.
Ponto E – Antigo cemitério.
Por volta de 2001, quando Osmar Ferreira explorava o mogno na
Juvilândia, em conluio com JV, foi feito um porto neste local, para o
embarque de madeira e aberto um pátio para estocagem da madeira que ser
embarcada.
Quando as máquinas começaram a derrubada, descobriram um
grande cemitério no local. Todos os túmulos e cruzes foram arrasados pelas
máquinas e o pátio e o porto foram instalados.
Desse ponto partem diversas estradas e ramais de arrasto em todas
as direções. Essas vias não estão mais em condições de uso.
Ponto D – Local onde o gado acessa o rio para beber água.
87
Ponto F – Sede principal da Juvilândia.
Principal sede da fazenda, onde foram instaladas a maioria das casas
dos empregados, a cantina, a serraria, a casa de JV, grupo gerador, pista de
pouso etc.
Ponto Fazenda – A pista de pouso permanece em relativas boas condições.
Há apenas um funcionário na fazenda com a função única de não
caracterizar abandono das terras. Trata-se de um beiradeiro, nascido
naquelas margens e que há muitos anos é empregado de JV.
O empregado pouco ou nenhum controle tem da situação às margens
do Iriri e, muito menos, em relação à porção Sul, mata adentro, da
apropriação. Recentemente, após a criação da Resex do Iriri, alguns
ribeirinhos instalaram-se no limite Leste da Juvilândia, antes disso, um
grupo de grileiros ocupou e desmatou quase 6.000 ha dentro da área que JV
entende como sua, mas não há mais ímpeto algum de reação. Uma grande
diferença em relação aos tempos que se contam que JV ordenava massacres
a grupos que não respeitassem suas divisas.
88
Ponto F – As diversas casas de empregados estão já caídas ou em vias de
desabarem.
Ponto F – E, na mesma condição está a casa sede, onde até 1996, hospedavase
JV e depois, a partir de 1997, serviu como base de apoio aos empregados
de Osmar Ferreira.
89
Ponto F – O único empregado da Juvilândia muda-se constantemente de
casa. Toda vez que a casa onde ele está morando começa a ruir, ele e a
família procuram outra em condições menos ruins.
O local das instalações da sede principal da Juvilândia foi antiga
localidade de Deserto, onde viveu o avô de vários beiradeiros que hoje estão
instalados na TI Cachoeira Seca.
Ponto H – Outro cemitério de beiradeiros apropriado pela fazenda
Juvilândia. Nos fundos deste ponto, começando antes da sede principal e
indo ainda bastante à jusante, foi formado um pasto de quase 3.500 ha, hoje
todo encapoeirado.
Ponto I – Na foz do rio Carajari, área entendida como interior da
Juvilândia, por volta de 2004, um outro grupo de grileiros se apropriou das
terras. Por causa dessa mesma área, anos antes, houve um massacre de
trabalhadores da madeireira Bannach, que tentava expandir seus limites
sobre a Juvilândia. Porém, depois da grande apreensão da madeira, em
2001, o abandono da fazenda foi tal que JV não teve pernas para deter esse
90
novo e bem armado grupo que chegava. Adiante retornaremos a essa outra
quadrilha de grileiros
Paralelamente à apreensão do mogno, houve também um período de
grande dificuldade financeira na indústria têxtil de JV, reforçando o
abandono da fazenda.
Ponto I – e, na mesma condição está a casa sede, onde até 1996,
hospedava-se JV e depois, a partir de 1997, serviu como base de
apoio aos empregados de Osmar Ferreira.
Ponto M – Limite Sul, no Morro do Galego, onde ocorreu o massacre
dos empregados da Bannach, supostamente a mando de JV e com a
participação de Quito, Darcy Delfino de Paula, ainda hoje, gerente da
Juvilândia.
91
2.2.6.2. Violência e coação: protocolos para a “limpeza”
da área.
Segundo o próprio Júlio Vito, quando comprou a terra, havia 260
famílias de seringueiros em seu interior. Não demorou para que não
restasse mais nenhuma.
Beiradeiros antigos, como Dona Joana1, hoje moradora de uma
localidade na TI Cachoeira Seca, ajudam a entender o que se passou. Ela
nasceu na localidade chamada Novo Paraíso (Ponto D, Mapa 2.1), lá se
casou e, “Lembro bem, JV chegou no ano que nasceu meu menino, lembro
bem, eu tava com um buchão”.
Dona Joana é de uma das famílias mais antigas na região. Seu avô já
havia morado na localidade Deserto, onde muitos anos depois JV iria
instalar a sede da principal da Juvilândia. Seu pai foi um pequeno “patrão”,
aviava do Novo Paraíso até o Cana Braba, no rio Curuá.
1 Nome ficticiamente atribuído para garantia de segurança da população local. Entrevista concedida ao
autor em janeiro de 2008, na casa da informante, Rio iriri, Altamira.
92
Mapa 2.2
93
No final dos anos 70, “Seu Julio chegou dizendo que era dono e falava
pra gente que, ou trabalhava na fazenda, ou ele mandava embora da terra.
Os que estavam trabalhando na derrubada ficaram, mas quando acabou
tiveram que ir embora”.
O pai de Dona Joana, insistiu, resistiu pela sua morada, Novo
Paraíso. JV pressionou com os protocolos mais comuns: “de vez em quando
eles [guachebas da Juvilândia] vinham mandar a gente olear as armas que
eles vinham fazer uma visita pra tirar a gente de lá”. O grupo familiar
resistiu por cerca de 6 ou 7 anos. “Ameaçaram a gente até que meu pai
vendeu pra eles, ele não gostava de briga. Vendeu é modo de dizer, né?,
porque o Seu Júlio pagou só uma ninharia, que era ele quem dava o preço”.
Luiz2, parente de Dona Joana, relata, em outro momento, falas de
impressionante sincronia:
“JV ficava mandando dizer pra nós que era para ficar oleando as
espingardas, trocar as agulhas que, qualquer hora, eles estavam indo lá
fazer uma visita pra nós. Eles mandavam recado pro meu pai que era pra
sair se não eles iam tocar fogo na casa.
Outros instrumentos de coação e expropriação foram a limitação aos
recursos tradicionalmente utilizados pela população ribeirinha e a própria
destruição da floresta, como conta Luiz, “Tudo mundo foi proibido de
quebrar castanha de lá”. Seus seringais e os de sua família ficavam no
Igarapé Carajari e foram derrubados pela grilagem de terras.
O modus operandi de expropriação por meio da conversão do antigo
posseiro em empregado não é inovação de JV. Na região valorizada pela
rodovia Belém-Brasília isso foi corriqueiro e chegou-se a fazer uso dos
benefícios trabalhistas da CLT para descaracterizar qualquer pretensão ou
direito à terra daqueles que lá estavam em favor do latifúndio que se
implantava.
2 Nome ficticiamente atribuído para garantia de segurança da população local. Entrevista concedida ao
autor em janeiro de 2008, na casa do informante, Rio Iriri, Altamira.
94
Em um primeiro momento, a opção de muitos dos beiradeiros que
estavam nas áreas da Juvilândia foi empregar-se nas atividades de
derrubadas e da juquira. Quando esses trabalhos se rarearam, acabaram
sendo coagidos a mudarem-se para a outra margem, fora das pretensões de
JV, na TI Cachoeira Seca.
Luiz conta:
Depois que meu pai morreu, eu fiquei rodado. Praquelas bandas de lá, é
tudo grileiro que só falam em matar. Os únicos que abrigaram a gente,
foram os índios.”
E, de fato, parece que quem os araras da TI Cachoeira Seca dividiram
com os ribeirinhos os ônus da apropriação da Juvilândia, como vemos no
Mapa 2.2.
Dona Joana, que, assim como seu irmão Luiz, vivem na TI Cachoeira
Seca, fala do quanto gostaria de voltar à antiga localidade Novo Paraíso,
hoje chamada de Fazendinha (Ponto D, Mapa 2.1, sede 2 da Juvilândia): “lá
eu me criei, casei, tive filho... eu queria muito voltar pra lá”.
Ela comenta que o sr. Marcelo Salazar (consultor do Ibama
contratado em 2006 para levantamento socioeconômico, cadastramento e
formação do conselho consultivo da Resex Rio Iriri) falou dessa
possibilidade, mas, ao procurar o, então presidente da associação, Paulão, foi
advertida: o Paulão avisou que o JV mandou dizer que, ‘Quem quiser pode
voltar, mas ele não se responsabiliza por nada’ ”.
Sua conclusão sobre voltar ou não para sua antiga morada
encampada na Juvilândia é ilustrativa: “Voltar pra lá não é simples porque
o dono de lá não é gente”.
95
2.2.6.3. Fluxos de ocupação da população tradicional
Como dissemos e ilustramos no Mapa 2.2, a população indígena da TI
Cachoeira Seca também foi substancialmente tocada pela expropriação
provocada pela implantação da Juvilândia.
Hoje, com a criação da Resex do Iriri, os beiradeiros instalados na TI
são conscientes e acreditam na melhoria das condições de vida se
deslocarem-se para a margem direita, no interior da Resex. Isso não
representaria, grossomodo, nenhum problema em relação a
desenraizamento, uma vez que essa gente se reconhece ainda mais sua
pertença à margem direita do que à TI Cachoeira Seca.
Porém, como vemos no Mapa 2.3, o processo de deslocamento – que
vem sendo espontâneo, embora incentivado pelo Ibama e parceiros –
reconhece e respeita os limites da Juvilândia.
Isso pode gerar situações conflitantes, pois, como percebemos nos
mapas a seguir, acontece um grande adensamento nos extremos à montante
e à jusante da Juvilândia. Um adensamento pouco comum na região,
formando dois grandes blocos separados por um imenso vazio que é a
fazenda.
96
Mapa 2.3
97
Mapa 2.4
98
Esse distanciamento geográfico não acontece hoje com os beiradeiros
na atual situação onde eles ocupam a TI Cachoeira Seca. É difícil avaliar o
quanto, mas há razões para se crer, e impactos nas relações de sociabilidade
e vicinalidade historicamente construídas pelo grupo.
99
2.3. Bacuri
100
2.3.1. Jeová Pimentel: cosméticos e trabalho escravo
Sem dúvida a fazenda Bacuri é a mais consolidada ocupação não
compatível com a Resex Rio Iriri. A área pretendida por Jeová de Souza
Pimentel (JSP), autor da apropriação estende-se da Resex do Rio Iriri ao Sul
pela Esec da Terra do Meio. (Mapa 2.3.1).
Em franca atividade, a fazenda pratica pecuária extensiva, mais
precisamente, faz a cria e recria de gado nelore. Toda a atividade da
Fazenda Bacuri liga-se a Triunfo e a São Félix do Xingu, via ramais que
levam à “estrada da Canopus”.
O autor da apropriação é Jeová de Souza Pimentel (JSP), rico
industrial residente em Goiânia, proprietário, entre outras indústrias, da
Abelha Rainha Cosméticos.
JSP tem histórico com crimes ambientais e (o comumente correlato,
trabalho escravo). Em março de 1999, fiscais do Grupo Móvel do Ministério
do Trabalho e policiais federais encontraram 182 homens regime de trabalho
escravo na Fazenda Maciel II, de JSP. Os homens libertados eram
encarregados de fazer uma derrubada de 2.500 ha. O fato foi, à época,
amplamente divulgado na imprensa.
Poucos meses depois, em 05 de julho de 1999, JSP foi preso sob a
acusação de ter mantido 182 homens vivendo em regime de trabalho
escravo.
101
Mapa 2.3.1
102
Com cerca de 60 km de picadas de divisas abertas, a demarcação é
feita por quilômetro. O 0km fica às margens do rio Iriri, no limite
Norte da apropriação.
103
Seis anos, sete meses e 3 dias depois, em 8 de setembro de 2005, por
meio do DECRETO LEGISLATIVO N° 019, Art. 1º, “a Câmara Municipal de
Goiânia concedeu o Título Honorífico de Cidadão Goianiense ao Senhor
JEOVÁ DE SOUZA PIMENTEL”.
A Fazenda Bacuri funciona em consórcio com outras fazendas de JSP,
Fazenda Maciel, com cerca de 3.000 ha e a Fazenda Maciel II, com 13.000
ha. Ambas nas proximidades de São Felix do Xingu. Sem o consórcio entre
as fazendas a viabilidade econômica da Bacuri, ao menos nos moldes como
funciona hoje, seria inviável.
Talvez possa ser uma boa estratégia pensar ações conjuntas contra
todas as fazendas, uma vez que, segundo a Funai e a Polícia Federal, a
Fazenda Maciel II está dentro da reserva dos índios Parakanã e a Fazenda
Bacuri, dentro do mosaico de Unidades de conservação da Terra do Meio.
Na Justiça Federal (Vara Única de Marabá), JSP responde ao
Processo 2007.39.01.000562-0, de 27/04/2007, onde é acusado de:
5060400 – REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO
(ART. 149) - CRIMES CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL/PESSOAL – PENAL.
5121000 - ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL
PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL (ART. 207) - CRIMES
CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO – PENAL.
5120700 - FRUSTRAÇÃO DE DIREITOS ASSEGURADOS POR LEI
TRABALHISTA (ART. 203) - CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO
DO TRABALHO – PENAL.
Na Justiça Federal (Vara Única de Marabá), JSP responde ao
Processo 1999.39.01.000985-1, de 26/08/1999, uma AÇÃO PENAL PÚBLICA
de teor semelhante ao item anterior.
No Tribunal de Justiça do Estado Do Pará, no 1º Cartório Cível de
São Felix do Xingu, JSP é réu de EXECUÇÃO FISCAL, segundo o Processo
Nº 2006.1.0477, de 14/12/2006.
104
Na Justiça Federal (Vara Única de Altamira), JSP responde ao
Processo 2007.39.03.000801-0, de 06/12/2007, uma AÇÃO CIVIL PÚBLICA
tendo como objeto:
1020300 – DANO AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA
– ADMINISTRATIVO
2100300 – DANO AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE CIVIL –
CIVIL
2100100 – DANO MORAL E/OU MATERIAL –
RESPONSABILIDADE CIVIL – CIVIL
Na Justiça Federal (Vara Única de Altamira), JSP responde ao
Processo 2007.39.03.000802-4, de 06/12/2007, sendo uma
REPRESENTAÇÃO CRIMINAL tendo como objeto:
5201500 - CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE (LEI 9.605/98) -
CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE -
PENAL
Resex Rio Iriri.
Área situada no seu limite Sul, na divisa com a Esec Terra do Meio,
no interior da apropriação da fazenda Bacuri. Janeiro de 2009.
105
2.3.2. Jeová, o bom.
Na região do rio Iriri, JSP agia em conluio com HAROLDO VIEIRA
PASSARINHO, que se encarregou da expropriação da população tradicional
da Fazenda Bacuri. O método usado por Haroldo pouco ou nada diferiu do
que se faz por praxe. Ele espalhava o terror entre a população extrativista,
avisando seria melhor venderem-lhe a terra antes que outros a tirassem à
força, conforme conta a ilustrativa fala de Dona Lucinda1:
Nós vendemos a terra – a terra não, porque a terra é do governo -, nós
vendemos lá porque o rapaz chegou aí comprando e falou que se nós não
vendêssemos, nós íamos ficar sem as terras “porque vem muita gente aí
atrás tomando terra”. Aí nós ficamos com medo. Mas o rapaz falou que nós
podemos morar lá todo o tempo.
Nós vendemos porque nós estávamos com medo. Com medo de ser agredido
lá por esse pessoal que vinha de fora. Não foi por esse negócio de dinheiro,
porque a gente não queria nem vender, eles lutaram muito. Lutaram mais
de 2 anos comigo pra eu vender e eu não queria vender, nós não vendemos
por causa de fome de dinheiro. Vendemos por causa de medo, de medo dos
outros invadirem, mas o dono não obrigou, não.
Ficaram uns dois anos ou mais. Era os compradores mesmo, o Josafá [irmão
de Jeová], o Haroldo e outros empregados dele. [...] O Haroldo e o Josafá
vinham comprar terra para esse senhor, pro Jeová.
Eles pagaram R$ 35.000,00. Acho que vale muito mais, mas a gente não é
sabido. A gente não conhece quantidade de dinheiro, eu achei que não era
coisa certa, mas ficou por isso mesmo. [...] Eles que deram o preço deles, não
1 A identidade da informante foi trocada para garantia de segurança.
106
deixaram a gente nem dar o preço, porque eu não ia mesmo saber quanto ia
valer, porque a gente nunca vendeu terra mesmo.
Ele falou pra tudo os moradores do rio Iriri tudinho, que quem quisesse ficar
podia ficar, plantar, criar, botar roça, fazer tudinho. [...] Só que no dia, se ele
precisasse do local lá, ele falaria pra nós.
Eu tava querendo não vender e tava, ao mesmo tempo, era com medo porque
todo mundo tava sabendo que iam tomar as terras. Os grileiros vinham pra
tomar dos ribeirinhos. Eu não vou lhe contar agora, seu menino, mas tinha
muita bandidagem aí pra cima que vinha varando pelo rumo da estrada da
Canopus. Era demais, demais. Tinha gente que chegava número lugar e
matava os outros só pra ficar com as terras. [...]
Ninguém aprontou, disse “Seu Jeová eu quero dinheiro que é pra mim
pousar e brincar... Deus me livre! Eu nunca nem pensei nisso: “eu vou pegar
esse dinheiro com ambição, com usura.” Eu não sabia nem o quanto ia dar,
eles que deram o quanto eles quiseram. [...]
Eu não falei “eu vou vender porque eu quero dinheiro”. Eu passei foi 2 anos
sem querer vender. Eu não queria vender, eu fiz foi chorar no dia que eu
vendi, mas os meninos diziam, não, não adianta chorar pra vender porque
nós vamos perder sempre esse lugar. Esse lugar ta perdido porque todo
mundo já vendeu e o pessoal tão gritando que vem gente aí tomando. É
grileiro. Aí pra cima eles pegaram muita terra de graça. Muita gente. O
senhor não tava aqui nessa época, eu moro aqui há muitos anos, sei de
tudinho quando começou. Começaram a comprar terra lá de cima [do rio
Iriri], comprar não, era de graça. [...]
Os grileiros varavam pela Canopus e vinham descendo pelo beiradão nas
voadeiras, nas rabetas, pra tomar os lugares. Pra pegar. Comprar, vender,
dar, vender ou dar, tomar... sei lá...
Eles chegavam na Canopus e pegavam o barco e vinham descendo querendo
comprar as terras dos moradores e aqueles que não saíam, eles começavam
a brigar pelas terras. Pra cá nunca teve briga por causa das terras, mas pra
lá teve. Como foi mesmo o nome do homem que não queria vender as terras
e deram fim nele?... Dudu!
Nada a se estranhar na aparente benevolência do expropriador ao
garantir aos ribeirinhos que “do rio Iriri todinho, que quem quisesse ficar
107
podia ficar, plantar, criar, botar roça, fazer ‘tudinho’”. Em primeiro lugar
porque era expresso também o “porém”: “Só que no dia, se ele precisasse do
local lá, ele falaria pra nós”. Em segundo lugar, porque o “experiente” Jeová
Pimentel soube muito bem como tirar o maior proveito possível da “expulsão
branca” que praticara.
Como poucos, esse apropriador de terras públicas soube entender com
profundidade e tirar proveito da posição de uma gente que sempre viveu sob
a completa ausência de Estado e em um mundo regido pelas relações de
favor e de tutela; uma gente a quem qualquer vislumbre de cidadania nunca
foi apresentada como direito, mas como concessão e benevolência que,
mesmo quando feitas pelo Estado, provinham dos préstimos pessoais do
governante. Uma gente a quem as relações trilham a forma da dependência
e do favor, “fazendo da violência simbólica a regra da vida social e cultural.
Violência tanto maior porque invisível sob o paternalismo e o clientelismo,
considerados naturais e, por vezes, exaltados como qualidades positivas do
‘caráter nacional’”.2
Beiradeiros próximos e, mesmo, os índios das duas reservas vizinhas
falam com reverência de Jeová. Sempre em seus discursos há o
reconhecimento por “serviços” prestados por Jeová como transporte,
medicamentos, obtenção de atendimento médico e outros serviços de caráter
essencialmente público.
Não é difícil entender certa fusão do Estado e dos grileiros frente aos
olhos dessa população. Uma sobreposição de personagens e papéis
sintetizando um “provedor”. Além do que, até a criação da Resex, o poder
patrimonial não se antagoniza como poder político ao Estado, ao contrário:
“As oligarquias políticas no Brasil colocaram a seu serviço as instituições da
moderna dominação política, submetendo a seu controle todo o aparelho de
Estado”.3
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 1. ed., 6. reimp.,
São Paulo, Brasiliense, 1996. p. 54.
3 MARTINS, José de Souza. O poder do atraso. São Paulo, Hucitec, 1994. p. 20.
108
Foto 2.4.A. Em meio aos pastos da fazenda Bacuri e às
castanheiras mortas, moradas sazonais de coletores de castanhado-
pará são cada vez menos usadas.
Foto 2.4.B. Nas partes de florestas recentemente derrubadas e pastagens
novas, os adensados castanhais ainda resistem, mas, segundo a população
local, a produção de castanha caiu em até 80%.
109
Em pastagens implantadas a mais tempo, as castanheiras não
resistem. Morrem em decorrência das sucessivas queimadas ou, se
resistem ao fogo, acabam se tornando pára-raios. Se sobreviverem
também a isso, morrerão por isolamento.
Também vale registrar o estado de degradação de pequenos cursos
d’água que cortam os pastos.
110
Diversas famílias ainda voltam às (originalmente) suas terras entre janeiro
e março para a coleta de castanha-do-pará. Isso pouco preocupa a Jeová, pois é
óbvia a franca e acelerada degeneração dos castanhais que, cada vez menos, motiva
os extrativistas a retornarem à terra.
111
2.3.3. Ações do Ibama e Ministério Público federal contra
a grilagem da fazenda Bacuri.
Em 19 de dezembro de 2007 o Ministério Público Federal
(Procuradoria de Altamira) obteve, em relação à área da Fazenda Bacuri,
uma decisão judicial com tutela antecipada no Processo 2007.39.03.000801-0
da Vara Única de Altamira. Na liminar, a Justiça Federal “DETERMINA A
DESOCUPAÇÃO DA ÁREA E INDISPONIBILIDADE DE BENS”.
Porém, a reintegração de posse no caso da Fazenda Bacuri não é algo
tão simples. A posse da fazenda é reconhecida e respeitada pela população
tradicional do entorno, bem como pela população indígena de Tucumã e
Curuae. São grandes as possibilidades de haver uma desocupação pelos
poucos empregados da fazenda e, em seguida, ocorrer uma nova – e mais
sólida – reocupação por parte de JSP. Casos como esse são freqüentes na
região e, usualmente, a reocupação se faz por meio de laranjas, o que
dificulta ainda mais ações futuras.
Há que se pensar em uma forma de, em seguida a reintegração de
posse, o Ibama apoderar-se e fazer-se presente na área, que, aliás, oferece
condições de infra-estrutura e posiciona-se em ponto estrategicamente
privilegiado para um posto que conte com a presença do Ibama.
112
Vista do rio Iriri a partir da sede da fazenda Bacuri.
Além de ser um dos pontos mais belos do rio, tem localização
estratégica, no limite entre a Resex Rio Iriri e a Esec da Terra do Meio.
Também é importante lembrar que a Fazenda Bacuri funciona em
consórcio com outras fazendas de JSP, Fazenda Maciel, com cerca de 3.000
ha e a Fazenda Maciel II, com 13.000 ha. Ambas nas proximidades de São
Felix do Xingu. Sem o consórcio entre as fazendas a viabilidade econômica
da Bacuri, ao menos nos moldes como funciona hoje, seria inviável.
Talvez possa ser uma boa estratégia pensar ações conjuntas contra
todas as fazendas, uma vez que, segundo a Funai e a Polícia Federal, a
Fazenda Maciel II está dentro da reserva dos índios Parakanã e a Fazenda
Bacuri, dentro do mosaico de Unidades de conservação da Terra do Meio.
113
2.4. Fazenda Rio Bonito/Água Preta
Por muito tempo acreditou-se que a grande área que se estendia da
margem esquerda do rio Novo até, em alguns trechos, ao rio Carajari fosse
composta de várias fazendas; fossem apropriações independentes, fruto de
grilagens autônomas.
Em janeiro de 2008, efetuamos expedição a todas as sedes de supostas
fazendas e se verificou tratarem-se todas da apropriação de Gilberto Luiz
Resende, que construíra várias sedes, atribuindo a cada uma um nome
diferente, simplesmente, para facilitas a grilagem e a comercialização da
terra. Dessa forma, como ilustra o Mapa 2.5.1, as apropriações Fazenda
Igarapé da Pacas; Fazenda Mateira, Fazenda Rio Bonito e Fazenda Trairão
são todas de Gilberto Luiz Resende, têm todas os mesmos três empregados,
valem-se da mesma pista de pouso. É também a mesma boiada que transita
de uma fazenda para a outra. Todas as sedes têm acesso pelo rio Novo.
114
Mapa 2.5.1
115
A principal sede, no início desse ano, era a Fazenda Rio Bonito, onde
se concentravam os empregados, as mulas de montaria e o maior
contingente de gado.
As casas de todas as sedes têm o “requinte” de serem, todas,
construídas apenas de madeira de castanheiras, como pode-se ver nas fotos
abaixo.
A área dessa grilagem foi explorada exaustivamente (em cedro e
mogno) pela madeireira Bannach (que, de fato, detinha grande parte da
terra), Vargas & Vargas e Marajoara, essas últimas, inicialmente, em
conluio com Júlio Vito Pentagna Guimarães e, posteriormente, apenas a
Vargas & Vargas de forma autônoma.
Diversos títulos de propriedade de lisura mais do que questionável,
registrados no cartório de Altamira em nome da Bannach e Marajoara,
encontram-se interditados.
É do conhecimentos de antigos funcionários e de vizinhos, que a
Bannach (fala-se em Rubens Bannach) tenha se associado ao “Grupo Sul do
Pará” (de quem ainda pode-se ver as placas no rio Carajari). Não foi possível
apurar o envolvimento de Rubens Bannach com o Grupo Sul do Pará.
Moradores locais contam que o Grupo Sul do Pará, em campo, era
comandado por 2 sargentos reformados vindos de Redenção (Acarlos e
Barros). Foi o bando mais violento e temido dos muitos que andaram pela
região, segundo depoimentos locais. “Andavam em 10 homens fardados e
armados com 12 de repetição”.
Diz-se que o Grupo Sul do Pará vendeu a área para a Cotril, grupo
sediado em Goiânia com conhecida atividades de grilagem de terras,
implementos e maquinários agrícolas e concessionária da Mitsubishi.
Também não é claro, mas há indícios de haver ligação entre Bannach, Grupo
Sul do Pará e Cotril.
116
Sede da Fazenda Rio Bonito.
A principal e de maior atividade em janeiro de 2008.
Sede da Fazenda Rio Bonito.
117
Sede da Fazenda Rio Bonito.
Em 2004, a área foi vítuma de um dos maiores desmatamentos da
região, mais de 6.000 ha em uma marcante forma de revolver. O
“responsável” (e provável laranja) pelo desmatamento foi Marcelo Zamora,
que também se apresentava como Moura, mas era chamado de Santiago
pelos colegas. Era um paulista de Presidente Prudente. Em valores de hoje,
uma derrubada como aquela custaria por volta de R$ 7.200.000,00. Mesmo
considerando um gasto maior em face da alta freqüência de trabalho escravo
nesse tipo de empreitada, a soma gasta ainda seria muito elevada, sendo
diferente crer que Zamora (ou Moura, ou Santiago), sempre freqüente na
área e, mesmo ajudando em diversos serviços, pudesse dispor dessa quantia.
Levantamentos realizados entre antigos empregados e vizinhos
indicam que a área estava sendo alvo de uma típica grilagem no clássico
esquema de cooperativas: divide-se a área em lotes destinados a vários
laranjas.
118
Por volta do início de 2006, apareceu Gilberto Luiz de Rezende (GLR)
que também se intitula dono da polêmica Fazenda Suiá-Missu dizendo ter
comprado a terra da Cotril.. Mas, ao mesmo tempo, há informações que GLR
tem como sócio um paulista de Presidente Prudente chamado Santiago
Melo. O que leva a crer no seu envolvimento no esquema desde o início.
Como percebemos no Mapa 2.5.2, a apropriação pretendida abrange
enorme parte da Resex do Iriri e da Esec. Há uma imensa sobreposição com
a área pretendida pela Juvilândia e, também, com a área antes invadida por
Polaco, da Vargas & Vargas.
GLR é temido e a ele se atribuem numerosos e terríveis feitos. Já foi
preso por diversas vezes e sempre teve a retaguarda de bons advogados e
políticos influentes. Uma “sofisticação” e um suporte financeiro que não
condizem com a figura de GLR. Há tempos acredita-se que esse também seja
laranja, mas não se sabe de quem.
Na margem direita do rio Carajari, na congruência com o rio Iriri, placa do
violento e ameaçador grupo que pretendia a apropriação das terras. Segundo
os vizinhos e antigos funcionários, o Grupo Sul do Pará era ligado à Cotril,
de Goiânia.
119
GLR entrou para a história da “Lista suja do Trabalho Escravo” ao
ser sentenciado a pagar a, então, maior indenização já desembolsada pela
prática de trabalho escravo: 1 milhão de reais. A conseqüência mais
imediata do ato do juiz da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia foi a
necessidade de se destacar, ao juiz, policiais militares para reforçar sua
segurança.
Às margens do rio Iriri, encontra-se, abandonada, uma caminhonete
Mitsubihi L200, que, segundo os empregados de GLR pertence à fazenda Rio
Bonito.
A caminhonete abandonada por empregados de GLR não tem placas, mas
tem gravado nos vidros o número.2C221459 e uma plaqueta indicando que o
número da carroceria é 22672.
120
Mapa 2.5.2
121
Além da caminhonete, encontramos na sede da Fazenda Rio Bonito uma
motorcicleta, também sem placa, mas com gravação do número do chassis que podem
cooperar para se identificar outras partes envolvidas na grilagem e no crime ambiental
dessa apropriação.
Moto encontrada na sede da Fazenda Rio Bonito,
apropriação de Gilberto Luiz Resende..
122
2.5 TI Cachoeira Seca e outras “portas” a invasores
da Resex Rio Iriri
No final da década de 1990 e início dos anos 2000, vai ocorrer um
novo movimento de apropriação da terra por pecuaristas e especuladores. O
processo é acelerado também em virtude do aproveitamento da rede de
estradas deixadas pela furiosa atividade madeireira durante a febre do
mogno. Essa malha de estradas complementa-se com a rede hidrográfica e
com uma série de pistas de pouso clandestinas que se instalam na região.
(ESCADA et al., 2005).1
Na mesma época a região situada entre os rios Xingu e Iriri também é
pressionada pelo avanço no sentido oeste-leste de uma outra frente oriunda
do processo de ocupação da BR-163 (Santarém-Cuiabá) e da expansão da
soja no norte do Mato Grasso2. De uma maneira geral, o padrão de ocupação
1 AMARAL et al. “Redes de conectividades da estruturação da frente de ocupação do Xingu-Iriri – PA”.
Geografia, Rio Claro, v. 31, n. 3, p. 655-675, set.-dez. 2006. E levantamentos de campo do autor, dez.
2007 – jan. 2008.
2 CASTRO, E; MONTEIRO, R.; CASTRO, C. Estudo sobre dinâmicas sociais na fronteira,
desmatamento e expansão da pecuária na Amazônia. Relatório Técnico, Belém, Banco Mundial, 2002.
AMARAL et al. “Redes de conectividades da estruturação da frente de ocupação do Xingu-Iriri – PA”.
Geografia, Rio Claro, v. 31, n. 3, p. 655-675, set.-dez. 2006.
123
das terras na fronteira agrária de São Félix é caracterizado pela
predominância das grandes fazendas de gado, cujas extensões (na base de
2.500 a 3.000 ha, mas podendo existir áreas de até 30.000 ha) têm sido
formadas de variadas maneiras que incluem desde a compra de lotes até à
grilagem de terras de terceiros ou invasão em terras devolutas.
A grande maioria das terras de fazendas não é titulada, porém é
justamente a atividade pecuária que as reconhece e consolida como
propriedade privada.3
Nesse processo, algumas “portas” são estratégicas para pensar a
integridade das Resex do Iriri e do Riozinho do Anfrísio. Essas unidades de
conservação mantêm relações com frentes de diferentes históricos de
ocupação. Adiante comentaremos cada um desses pontos, por hora,
relacionamos os principais4:
1. BR-230 – Colonos, latifúndios, madeireiros e grileiros convivem e
disputam espaço na zona do projeto de colonização às margens da
Transamazônica. A principal conexão entre eles e as Resex é o Porto
Maribel, à margem esquerda do rio Iriri, ligado pela estrada
Transiriri à BR-230 próximo a Uruará;
2. TI Cachoeira Seca – ainda como acesso à BR-230, a não integridade
dessa terra indígena, além dos desastres gerados por si só, são uma
das maiores ameaças às condições de gestão e fiscalização das Resex
Rio Iriri e Resex Riozinho do Anfrísio. À frente abordaremos mais
detalhadamente esses tópico;
3 Castro et al., citado; Amaral et al., citado; TORRES, Maurício. Amazônia Revelada: os descaminhos ao
longo da BR-163. Brasília, CNPq.; TORRES, Maurício. “Os povos da floresta e o desmatamento da
Amazônia”. Torino (Itália), Facoltà di Scienze Poliche dell’Università degli Studi di Torino, settembre,
2007.
Diponível em:
<www.scipol.unito.it/materiale_corsi/741/OS_POVOS_DA_FLORESTA_E_O_DESMATAMENTO_D
A_AMAZÔNIA.pdf>. TORRES, Maurício. “A Pedra Muiraquitã: o caso do rio Uruará no enfrentamento
dos povos da floresta às madeireiras na Amazônia”. Revista de Direito Agrário, Brasília: NEAD-MDA;
Incra; ABDA, ano 20, n. 20, 2007. p. 93-124. TORRES, Maurício. “Fronteira, um eco sem fim:
Considerações sobre a ausência do Estado e exclusão social nos municípios de paraenses do eixo da BR-
163”. In: TORRES, M. (org.). Amazônia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163. Brasília: CNPq,
2005.
4 Algumas das conexões identificadas aqui são também observadas em AMARAL et al. Op. cit., p. 658.
124
São Felix do Xingu e Tucumã – seguindo a dinâmica de grilagem e
devastação implantada nesses pólos, frentes continuam em expanção
e já atingiram a Resex do Iriri. O avanço se dá pela Estrada da
Canopus, Porto da Canopus e desse para o Norte, no inverno usa-se
mais o rio Iriri, no verão, diversas estradas ligam o porto à Fazenda
Bacuri, já na Resex. À frente abordaremos mais detalhadamente
esses tópico;
3. Trairão – no extremo Oeste da Resex do Riozinho do Anfrísio, já há
um ramal de ligação com a BR-163, nas proximidades de Trairão,
atravessando o polêmico e violento assentamento Areias5, onde há
uma serraria ligada a Osmar Ferreira instalada dentro da vila do
assentamento.
Por meio dessa rota, faz-se conexão com Itaituba, Novo Progresso e
Castelo dos Sonhos, outras áreas de atuação dos grupos modos que
atacam a Resex Riozinho do Anfrísio;
4. Pistas de Pouso – Interligam os antigos pátios e pólos de operação de
madeireiras que exploravam mogno, fazendas, vilas e cidades
vizinhas. Todas as fazendas implantadas na Resex Rio Iriri possuem
pistas de pouso com exceção da fazenda Bacuri que se serve de uma
pista próxima, um pouco mais a montante no rio Iriri. Segundo
Amaral et al., há “uma porção de aproximadamente uma pista a cada
cinco fazendas”6, o que acreditamos ser uma realidade na área da
estrada da Canopus e da APA Triunfo do Xingu.
5 Sobre o PA Areias, cf. TORRES, Maurício. “Fronteira, um eco sem fim”, citado.
6 AMARAL et al., “Redes de conectividades da estruturação da frente de ocupação do Xingu-Iriri – PA”,
citado. p. 660.
125
Representação esquemática das redes físicas descritas para a Frente do
Xingu-Iriri7
7 Versão corrida da “Figura 3” de AMARAL et al., “Redes de conectividades da estruturação da frente de
ocupação do Xingu-Iriri – PA”, citado. p. 661.
126
2.5.1 TI Cachoeira Seca
Segundo Cristina Velásquez, “ações como a demarcação definitiva das
terras faltantes, tais como a TI Cachoeira Seca bem como a demarcação
física das áreas do mosaico são fundamentais para a integridade de toda a
área”8. E, de fato, a vulnerabilidade da TI Cachoeira Seca vem a cada dia se
mostrando um problema não só para si, como para toda a porção norte do
mosaico da terra do meio.
O histórico de desrespeito ao território arara vem desde as iniciativas
para os primeiros contatos com esse povo. Em 1985, quando são tomadas as
primeiras medidas para tutela da área e são ensaiadas as ações para
contatar os arara, também é aberto, em área interditada, o Travessão do km
185 Sul, que viria a se chamar Ramal da Bannach e, ainda mais adiante, de
Transiriri. Essa estrada saiu da BR-230 e chegou à margem esquerda do rio
Iriri, onde viria a se instalar a madeireira Bannach.
Reforçando o ataque a terra indígena, apesar da interdição da área,
em 1986 o Incra assentas as primeiras famílias na área. Justamente quando
a Funai efetiva o contato com 33 índios.
A década de 1990 assistiu a proliferação dos ramais madeireiros, de
avanço de ocupação de colonos e de grilagem. Também se tornou intensa a
exploração ilegal de madeira, a grilagem e o desmatamento, não raro, com
uso de trabalho escravo.
O ataque destrutivo assinado pela madeireira Bannach recebia apoio
dos municípios envolvidos – que, aliás, ainda lutam para a redução da TI
Cachoeira Seca. Chegou-se, inclusive, a criar o Distrito Porto Bannach, por
meio da Lei nº 388 de 25 de fevereiro de 1992.
Hoje, acredita-se haver mais de 1.000 famílias de pequenos colonos no
interior da TI Cachoeira Seca, instalados às margens da “Transiriri” e
8 Apud ISA - Instituto Socioambiental. Estratégia para a consolidação territorial na Terra do Meio.
Reunião técnica realizada em Brasília, 21 e 22 de novembro de 2006.
127
outras vicinais. Isso solidifica o funcionamento do ramal que parte ao meio
as terras daquele grupo indígena e serve de porta de entrada para toda sorte
de grileiros e madeireiros. Vale lembrar que a área é bastante visada por
madeireiras, uma vez que esse as terras controladas por esse grupo arara
são as únicas que ainda não foram saqueadas pela extração clandestina de
madeira.
Há no mínimo duas dezenas de grandes grileiros controlando áreas de
mais de 2.000 ha. Um dos casos mais flagrantes é o de Vicente Nicolondi9,
um comerciante residente em Uruará que, desde 2003, vem sendo autuado
pelo Ibama em virtude de desmatamentos no interior da TI Cachoeira Seca.
Com impressionante prepotência, Nicolondi não para de ampliar suas
pastagens no território arara, tendo sido autuado novamente em 2007.
Como mostra o mapa a seguir, a apropriação de Vicente Nicolondi
aproxima-se bastante do rio Iriri, inclusive, havendo uma estrada de
considerável porte partindo da transiriri, passando por sua apropriação e
chegando à margem esquerda do rio Iriri.
Margem esquerda do rio Iriri. A estrada aberta por Vicente Nicolondi
liga à sua apropriação de lá à transiriri.
9 Vicente Nicolondi, RG 5027918 SSP/PA, CPF 092.913.262-91, residente à Travessa Ceará s/n, Centro
Uruará/PA, CEP: 68.140-000.
128
129
2.5.2 APA Triunfo do Xingu
Somente com muita generosidade pode-se entender essa Área de
Proteção Ambiental como uma unidade de conservação. Talvez fosse mais
correto entendê-la exatamente como a negação de uma área de proteção
ambiental.
Na forma de um inexplicável buraco em meio a Esec Terra do Meio,
contrariando todos os princípios de conservação, o traçado da APA não
encontra nenhuma explicação técnica e, muito menos, social. Ele só faz
sentido se sobreposto ao mapa dos acelerados desmatamentos dos últimos
anos. Então veremos que essa suposta unidade de conservação se desenha
de modo a cobrir uma das áreas da mais consolidada grilagem do estado.
Não é demais lembrar que a modalidade de APA, além de
pouquíssimo restritiva, permite a titulação das terras. Ou seja, as áreas
continuam passíveis de apropriação privada, continuam sendo griláveis.
No ato de criação da APA Triunfo do Xingu, o governo do Pará iria
também criar a APA na região do conflituoso rio Uruará, em Prainha, na
área onde, há anos, parte da população local pleiteava e o Governo Federal
trabalhava para a criação da Reserva Extrativista Renascer. A decretação
dessa unidade de conservação estadual poderia ser entendida como um ato
em defesa ambiental e das populações tradicionais do rio Uruará. Porém, a
específica modalidade de reserva proposta, Área de Proteção Ambiental,
seriam a via para se legitimar exatamente o contrário. Seria o modo de,
mais uma vez, subjugar a população da floresta como os “derrotados” e os
recursos de seus territórios, como butim de guerra dos vencedores.
130
Enquanto a criação de uma Resex, não faria nada além do óbvio:
reconheceria o direito sob o território e seus recursos às comunidades locais
que lá resistem desde o século XIX. A Apa possibilitariam a formalização da
apropriação da terra e a exploração madeireira à revelia dos habitantes
locais..
A criação dessa unidade de conservação na área do conflito do rio
Uruará foi impedida, em 4 de dezembro de 2006, quinze minutos antes da
assinatura do Decreto pelo governador, por uma liminar da Justiça Federal
do Pará, resultante de uma ação proposta pelo Ministério Público Federal.
Aliás, o mesmo Decreto que criou a APA Triunfo do Xingu. Contra a decisão
da Justiça Federal de Altamira proibiu a assinatura do Decreto, alinharamse
grileiros e madeireiros e o governo do Pará.
A decisão judicial enfureceu o governo do Estado e outros interessados
naquelas reservas, o que é compreensível. Tanto a Apa, como a Flota
permitiriam a apropriação da terra por madeireiros e grileiros, ainda que
fosse, no segundo caso, por meio do acesso aos recursos florestais. E mais,
um forte argumento usado pelo Ministério Público Federal, para obtenção da
liminar, foi a importância da criação, no local, da Reserva Extrativista
Renascer para proteção ambiental e das populações ribeirinhas. Ou seja,
pelo encaminhamento dos fatos, madeireiros e grileiros ficavam mais
distantes e ribeirinhos mais próximos do controle daquelas terras.10
Enfim, a grilagem de Triunfo do Xingu foi brindada com a criação da
APA que, além de pouco ou nada atrapalha-los, garantiria o livre
procedimento para consolidação da apropriação e, mais, garantiria que a
área não viria a se tornar uma unidade de conservação de outra modalidade.
Ou melhor, garantiria que ela não se tornaria uma unidade de conservação
de fato.
10 Análise mais pormenorizada sobre esse episódio cf. TORRES, Maurício. “A Pedra Muiraquitã: o caso
do rio Uruará no enfrentamento dos povos da floresta às madeireiras na Amazônia”. Revista de Direito
Agrário, Brasília: NEAD-MDA; Incra; ABDA, ano 20, n. 20, 2007. p. 93-124.
131
2.5.3 Canopus
Segundo Amaral et al., “a conexão física entre a Frente Xingu-Iriri e a
região de Ourilândia do Norte, Tucumã e São Felix do Xingu, se faz através
das pistas de pouso, rios, vilas, estradas e redes de informações e
comunicação. Entretanto, a acessibilidade aos centros urbanos, serviços e
recursos difere de acordo com o ator e suas possibilidades de locomoção.
Uma das estradas mais importantes que corta a região é a estrada aberta
pela companhia Mineradora Canopus, denominada Estrada da Canopus”.11
A época da febre do mogno no final dos anos 80 e início dos 90 abriu
muitos ramais a partir dessa estrada. Esses ramais, interligando-se com os
rios, foram largamente aproveitados pela grilagem que se seguiu ao mogno.
Ainda segundo Amaral, em 2000, “uma nova estrada ligando São Félix do
Xingu a Vila Central foi construída pelos fazendeiros, com apoio da
prefeitura, diminuindo a distância da sede do Município de São Félix do
Xingu à Vila Central, facilitando o acesso dos fazendeiros à região”.12
A importância do Estrada e do Porto da Canopus como porta de
entrada pode ser mensurado a partir da fala de Dona Lucinda13:
[...] Os grileiros vinham pra tomar dos ribeirinhos. Eu não vou lhe contar
agora, seu menino, mas tinha muita bandidagem aí pra cima que vinha
varando pelo rumo da estrada da Canopus. Era demais, demais. Tinha
gente que chegava número lugar e matava os outros só pra ficar com as
terras. [...]
11 AMARAL et al., “Redes de conectividades da estruturação da frente de ocupação do Xingu-Iriri – PA”,
citado. p. 659.
12 Idem.
13 A identidade da informante foi trocada para garantia de segurança.
132
Os grileiros varavam pela Canopus e vinham descendo pelo beiradão nas
voadeiras, nas rabetas, pra tomar os lugares. Pra pegar. Comprar, vender,
dar, vender ou dar, tomar... sei lá...
Eles chegavam na Canopus e pegavam o barco e vinham descendo querendo
comprar as terras dos moradores e aqueles que não saíam, eles começavam
a brigar pelas terras. Pra cá nunca teve briga por causa das terras, mas pra
lá teve. Como foi mesmo o nome do homem que não queria vender as terras
e deram fim nele?... Dudu!
Um complicador da situação de ocupação da região de entorno da
Canopus mesclar diversos tipos de ocupação, como mostra Amaral et al.:
Devido a um acordo assumido entre o Iterpa (Instituto de Terras do Pará) e
colonos, as pequenas propriedades se estabeleceram a uma distância de até 10
km da estrada da Canopus, com um tamanho médio de 100 ha (Amaral e
Escada, no prelo). Este acordo não foi legitimado e a posse dos colonos não foi
legalizada, facilitando o estabelecimento de fazendas de médio e grande porte,
misturadas às propriedades dos colonos, cujas terras foram adquiridas, muitas
vezes por meio da invasão, compra e agregação dos lotes dos pequenos
produtores rurais.14
14 AMARAL et al., “Redes de conectividades da estruturação da frente de ocupação do Xingu-Iriri – PA”,
citado. p. 662.
133
3. Considerações finais e propostas de encaminhamento
O movimento de expansão da fronteira na da Terra do Meio não é uno.
Diversos e bons trabalho sobre a Terra do Meio realizados, entre 2000 e 2005,
enfatizam ações de agentes endógenos no comando da frente de expansão dessa fronteira1.
Sem diminuir a importância desse efeito, há que se apontar outro vetor de avanço da
fronteira, um grileiro mais sofisticado, técnico e de regiões distantes, com perfil de ação e
de interesses diferenciados. A identificação desses processos tornou-se ainda mais
específica após a criação do mosaico de unidades de conservação da Terra do Meio.
Se de um lado, há madeireiros e pecuaristas locais (e, não por isso, pouco
capitalizados), vindos de São Félix do Xingu, Triunfo, Redenção, Uruará, Altamira etc.; por
outro, há o “investidor” de Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro interessado, antes de tudo, na
1 Entre os mais recentes, ver: AMARAL et al. “Redes de conectividades da estruturação da frente de
ocupação do Xingu-Iriri – PA”. Geografia, Rio Claro, v. 31, n. 3, p. 655-675, set.-dez. 2006. BECKER, B.,
“Geografia e Amazônia”. Estudos Avançados. São Paulo, IEA/USP, v. 19, n. 53, p. 71-86, jan.- abr. 2005.
AGUIAR, A. et al. “Exploration of patterns of lad-use change in the Brazilian Amazon using the CLUE
framework”. In: Open meeting of the human dimensions of global environmental change research community,
6: Proceedings. Bonn, IHDP, 2005. CÂMARA, G. et al. “Amazonian deforestation models”. Science, v. 307,
n. 5712, p. 1043-1044, 2005. ESCADA, M. et al. “Processos de ocupação nas novas fronteiras da Amazônia:
o interflúvio do Xingu-Iriri). Estudos Avançados. São Paulo, IEA/USP, v. 19, n. 54, p. 9-24, maio-ago. 2005.
AMARAL, S.; ESCADA, M. Dinâmica territorial e socioambiental das frentes de ocupação e áreas
consolidadas: o caso de São Félix do Xingu e da Frrnte Iriri. Relatório Técnico. São José dos Campos, Inpe,
2005. CASTRO, E; MONTEIRO, R.; CASTRO, C. Estudo sobre dinâmicas sociais na fronteira,
desmatamento e expansão da pecuária na Amazônia. Relatório Técnico, Belém, Banco Mundial, 2002.
GEOMA. Dinâmica territorial da frente de ocupação de São Félix do Xingu-Iriri: subsídios para desenho de
políticas emergenciais de contenção do desmatamento. Relatório Técnico. Brasília, Ministério da Ciência e
Tecnologia, 2004.
134
grilagem da terra. Gado e madeira acabam por servir mais como viabilizador ao processo
de apropriação da terra do que como atividade produtiva em si.
A criação do mosaico de unidades de conservação da Terra do Meio, por si só,
apenas pelo seu efeito “no papel”, é um importante inibidor a esse segundo grileiro. Sempre
bem assessorado juridicamente, sabe que não conseguirá “esquentar” um título e se
apoderar de área inserida em uma unidade de conservação. Essa consciência surte efeito,
via de regra, em fazer cessar novas investidas. Porém, aqueles que já se consolidaram e,
não raro, investiram substanciais quantias em eventuais subornos a cartórios, órgãos
gerenciadores das terras públicas e em desmatamentos, esses sujeitos constituem um efetivo
obstáculo para a formalização da regularização fundiária, pois, esperam aferir seus gastos e
ainda algum lucro na pretendida “desapropriação” das terras.
Por outro lado, os pecuaristas e madeireiros já instalados na região formam certa
“oligarquia de fronteira” e preocupam-se pouco com o status de legalidade fundiária.
Importa, antes, o acesso à terra, a derrubada da floresta e a implantação de sua pecuária.
Eles avançam pela rede de estradas abertas após os tempos da euforia do mogno na região.
3.1. Unidades de conservação como inibidores e como “selecionadores”
de desmatamento, grilagem e extração clandestina de madeira.
Como comentado acima, após a criação de unidades de conservação, de
modo geral, inibe-se a grilagem e o desmatamento. Porém, pode-se perceber
que mais essa suposta inibição camufla na verdade uma mudança no perfil dos
sujeitos que se abatem sobre a área encampada pela unidade de conservação.
É importante saber que a queda do desmatamento não se deve, na
maioria dos casos, majoritariamente a ações de controle e de um Estado que
se faz presente. Antes mesmo da implementação dessas reservas se
registram sensíveis quedas nos índices de corte raso da floresta. A função
das unidades de conservação no combate ao desmatamento começa quando
135
ainda estão no papel e isso acontece em virtude do estreito laço entre o
desmatamento e a grilagem de terras.
Substancialmente, quase a totalidade das terras na região são
públicas e nem o Incra, nem o Iterpa sabem ao certo precisar esses números.
Esse caos fundiário abrigou até recentemente uma verdadeira guerra por
terra. Hoje, apesar de uma relativa amenização dos conflitos entre
ribeirinhos e grileiros e entre grileiros e grileiros, ainda hoje, considerável
parcela do mosaico da terra do meio encontra-se apropriada por particulares
com perfil e uso incompatível com a unidade de conservação que se sobrepõe
a ela. Como vimos nos casos estudados nesse trabalho, ainda hoje, grandes
grupos econômicos se dizem donos de gigantescas porções de florestas,
intimidam a população nativa e conflitam com grileiros menores.
Nesse processo de apropriação, os grileiros desmatam, queimam e
criam gado para demonstrar a “posse produtiva”, quesito valioso para a
obtenção da documentação da terra. O crime ambiental é, paradoxalmente
muitas vezes, visto pelo Incra como “benfeitoria” e comprovação da “posse
útil”. Sabe-se que não raro o grileiro empenha-se em uma grande derrubada
e em seguida telefona ao Ibama pedindo que o autuem. A multa é usada por
ele como uma comprovação de ocupação da terra perante o Incra.2
A especificação, das unidades de conservação como áreas de domínio
da União, não passíveis de terem o domínio transferido a particulares,
tornam-as um espaço dificilmente “griláveis”, e assim livra essas áreas de
algumas etapas da longa seqüência de mecanismos para a apropriação ilícita
da terra. Assim, o respeito aos limites das reservas ambientais, no mais das
vezes, não se deve à eficiência da fiscalização (inexistente em muitas delas),
ou, menos ainda, à aceitação da proteção ambiental como imperativo moral.
Porém, como dissemos, o que acontece não é simplesmente a inibição da
apropriação e da destruição de florestas públicas. O status de reserva
2 TORRES, Mauricio. Amazônia Revelada: os descaminhos ao longo da BR-163. Brasília, CNPq, 2005.
Passim.
136
ambiental torna a área “não grilável” e o desmatamento fica anti-econômico,
portanto, a nada se altera no que diz respeito ao roubo de madeiras. Acontece,
então, a troca do agente ilícito e de destruição, do pecuarista, vai-se ao
madeireiro; da atividade passível de fácil monitoramento, vai-se àquela não
perceptível pelos métodos hoje utilizados.
Também a grilagem, no sentido de comercialização ilícita de terras
públicas, não é de todo estancada. Grupos que investiram, muitas vezes,
grandes quantias na tentativa do roubo dessas terras e se frustraram pela
criação de unidades de conservação resolvem tentar amenizar o prejuízo
vendendo a terra a algum desavisado. Ao Sul da Resex Tapajós-Arapiuns, por
exemplo, os agentes que originalmente grilaram a área a venderam a pequenos
agricultores do Sul do país. O esquema organizava viagens de agricultores
familiares à área da Resex, omitindo tratar-se de uma unidade de conservação
e dissimulando documentos. Os agricultores voltavam ao Paraná e vendiam
tudo que possuíam: terras, maquinários, animais..., pagavam ao grileiro o preço
acertado e mudavam-se para a terra com a família.3
Esse tipo de ocupação é muitíssimo mais complexa para se lidar do que
simplesmente a do grileiro. Passa-se, também a haver um problema de cunho
social envolvido uma vez que as famílias sulistas que se instalaram venderam
tudo que possuíam em seu lugar de origem e a imprescindível retomada das
terras da Resex Tapajós-Arapiuns os reduziria a uma condição de completa
miserabilidade. Justamente por isso, essas famílias apresentam um nível de
resistência muito maior. O combate mais eficiente a isso é a identificação
rápida dos grileiros passíveis de aderirem a esse modus operandi, com a adoção
de medidas contra ele de modo que não possa efetivar a venda da terra.
No caso como a Juvilândia e a grilagem de Gilberto Luiz Resende,
percebemos facilmente a intenção de venda de terras.
JV comenta abertamente sua intenção de vender lotes de 3.000 ha, como
comentado anteriormente. Gilberto Resende, segundo os empregados
3 Levantamentos de campo do autor elaborados entre 2005 e 2006 em Itaituba, Aveiros e Santarém.
137
encontrados em sua apropriação no rio Novo em janeiro de 2008, está vendendo
a área.
Na internet podemos encontrar anúncios como o reproduzido abaixo,
onde se propagandeia a venda de grandes áreas de terras às margens do rio
Iriri.
Fazenda no Pará, Fazenda a venda com 15.000 hectares, Fazenda com muita
madeira de lei (Cód. 15207)
Visitas: 1060
Cidade: São Felix do Xingú – PA
Qtde: 15000 ha
Preço Vista: R$ 40,00/ha
Preço Prazo: R$ 40,00/ha
Entrega: no ato da
negociação
Pagamento: Valor: R$ 600.000,00 (R$ 40,00/ha) A negociar
possivel permuta troca por imoveis e veiculos
COLONIZAÇÃO VALE DO IRIRI
Área nova cheia de vida com muita madeira para um desenvolvimento em vários
setores: pecuário, lavoura e madeireiro.
1 - DOCOMENTAÇÃO: documentos titulo de propriedade de interposse registrados em
todos os órgãos do governo – INTERPA – Secretaria do estado agricultura Pará,
Cartório Registro e Notas Belém Pará e Publicação no Diário Oficial da União.
2 - DIMENSÕES DAS ÁREAS: são cinco glebas de terras com glebas de 3.000
hectares cada.
3 - PADRÃO DE TERRA: 100% mista virgem com vários tipos de madeira de lei,
sendo 80% em mogno, restante jatobá, amoreira, massaranduba, ipê. Terra preta
com índice de ph7, solo indicado especial lavoura e pecuária.
4 - SITUAÇÃO GEOGRÁFICA : localiza-se no município de Altamira-PA pela rodovia
BR 348 equidistante + ou – 450 kms das glebas.
No inicio da implantação do projeto, o meio mais fácil, toma-se avião em Redenção -
PA com 1:20 hs de vôo até o local das áreas. As áreas estão situadas às margens no
rio Iriri, com inúmeros rios menores com muita água.
5 - Com desenvolvimento de estrada, o meio mais fácil acesso, vamos até São Felix
do Xingu – PA e dela acesso as glebas com estrada de madereiro + ou – 250 km.
6 - AGUADAS: Com 05 (cinco) km de beira rio Iriri temos ainda inúmeros Igarapés
que corta a área.
138
7 - MADEIRA: rica em mogno, pois essa madeira pode ser transportada flutualmente
atravéz do rio Iriri, rio com ótimo leito navegável sem qualquer obstáculo. O mogno é
madeira do mercado de exploração, cuja procura e aceitação para as Industrias de
Móveis é de muita procura. Nas áreas pelo levantamento do radar, existe uma média
de 8,000 a 9,000 arvores com diâmetro de 0,60 a 1,00 com total de 4/5 m3 por
árvore. Só a madeira existente nas áreas nas áreas paga o investimento.
Fonte:<<http://www.mfrural.com.br/detalhe.asp?cdp=15207&mnop=Fazenda-no-Para-Fazendaa-
venda-com-15.000-hectares-Fazenda-com-muita-madeira-de-lei>>
Embora os autores de desmatamento identificados ao longo dos rios,
entre as áreas da Resex Riozinho do Anfrísio e Resex do Iriri, na ESEC Terra
do Meio e no PARNA Serra do Pardo, sejam majoritariamente as fazendas já
existentes, os anúncios acima reforçam a intenção desses sujeitos de
comercializarem a terra. Desse modo, pode-se supor uma breve mudança nos
autores de desmatamentos caso providências não sejam tomadas.
Nisso e nos demais casos que foram expostos é flagrante a necessidade
de se pensar estratégias de ações integradas. Segundo Alina Boerel, analista
processual do MPF, representando o Procurador da República em Altamira,
“muitas ações da justiça estadual incidem sobre a área. O grande problema é a
definição da cadeia dominial, reconhecer os ocupantes e para isso precisamos
conjugar esforços”4. Acrescentaríamos, ainda, a dificuldade de se localizar
geograficamente as áreas mencionadas em antigos documentos que hoje servem
como base de cadeias dominiais. Apenas a título de iniciar uma discussão para
traçar linhas de ação, apresentamos os seguintes procedimentos que
entendemos ser necessários:
• a definição das mais críticas ocupações não compatíveis com a vocação
das unidades de conservação do mosaico da terra do meio;
• a identificação dos autores dessas ocupações com os dados necessários
para subsidiar as devidas providências por parte dos órgãos
competentes. Importante que haja sólida vinculação entre os autores e a
ocupação e os delitos eventualmente cometidos;
4 Apud. ISA - Instituto Socioambiental. Estratégia para a consolidação territorial na Terra do Meio. Reunião
técnica realizada em Brasília, 21 e 22 de novembro de 2006.
139
• uma vez identificados os autores e suas áreas de atuação, é importante a
revisão dos registros cartoriais, de modo a se verificar a se há ou não
título válido para a respectiva ocupação;
• em relação a eventuais constatações de títulos questionáveis, há que se
elaborar um quadro sistematizado de informações de modo a poder
subsidiar os órgãos competentes em ações focando a nulidade de títulos
fraudulentos;
• procedimento que informe a localização geográfica do título. Como
explica Sebastião Azevedo, procurador do Ibama, “Por mais que
tenhamos instrumentos normativos que legitimem o poder público a
solucionar há questões de ordem técnicas graves como a dificuldade de
localizar os títulos nos espaços”.5
• nesse processo, é vital contar com uma sistematização do arquivo do
Ibama e Sema no tocante aos planos de manejo pleiteados no interior
das áreas de interesse, pois esses procedimentos são fartos em
informações provenientes de diversas fontes;
• o trabalho deve conjugar duas principais linhas de atuação, como indica
Sebastião Azevedo: um diagnóstico com dados levantados em de campo
deve ser sobreposto a um inventário de informações levantadas em
cartórios e órgãos fundiários. “É preciso ter as informações e trabalhar
imediatamente. Sem o levantamento não tem como propor ações
judiciais. Se identifica algumas propriedades ainda que presumidas,
imediatamente delimita-se e congela dando tratamento nas áreas que se
considera públicas [...] A informação do cartório é importante mesmo
para desconstitui-los. No cartório, no órgão fundiários”.6
5 Apud ISA - Instituto Socioambiental. Estratégia para a consolidação territorial na Terra do Meio. Reunião
técnica realizada em Brasília, 21 e 22 de novembro de 2006.
6 Apud ISA - Instituto Socioambiental. Estratégia para a consolidação territorial na Terra do Meio. Reunião
técnica realizada em Brasília, 21 e 22 de novembro de 2006.
140
É importante, também atentar aos critérios de distinção entre grilagem e
ocupação de boa fé. Pois o “STF desvincula o pagamento de multa ambiental do
pagamento para desapropriação”.7
Um outro ponto a ser considerado é a apropriação e comercialização de
terras entre políticos locais e até de Brasília. Abaixo, um exemplo de um (hoje)
deputado federal que, enquanto senador, adquiriu a espantosa extensão de
500.000 ha de terras no rio Carajari.
Os 100 mil alqueires declarados pelo deputado Aelton Freitas (PR-MG) para
uma gleba de terra em Altamira (PA) foi declarado à Justiça Eleitoral pelo
preço de R$ 40 mil. Pela metragem oferecida por Freitas, na mesma declaração
detalhada [500.000 ha], a terra valeria R$ 0,08 o hectare. A gleba em questão, a
Carajari, fica numa das principais regiões de conflito de terras do País, a Terra
do Meio. Mas o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária),
porém, não tem qualquer informação sobre essa propriedade.
Juntos, os deputados que tomaram posse no dia 1º (o levantamento não levou
em conta os suplentes) declararam 705.921 hectares de terra. Mais do que o
especificado na edição de terça-feira, 491.921 hectares, pois o cálculo havia sido
feito em cima da conversão mínima (por alqueires paulistas, para hectares) das
terras de Freitas.
[...]
As terras rurais são o terceiro investimento mais comum entre eles, atrás das
empresas e dos imóveis urbanos, à frente do dinheiro (guardado ou aplicado) e
dos carros. Levando em conta os veículos e equipamentos agrícolas (como
tratores, empilhadeiras) descritas nas declarações de alguns deputados, o
investimento em terras e fazendas chega a superar o dos imóveis urbanos.
Trinta e dois deputados declararam terras por menos de R$ 100 o hectare. Em
segundo lugar na lista das menos valiosas vem uma gleba de 3.000 alqueires do
deputado afastado José Aristodemo Pinotti (PFL-SP), em Comunata (AM).
7 Boris César, apud ISA - Instituto Socioambiental. Estratégia para a consolidação territorial na Terra do
Meio. Reunião técnica realizada em Brasília, 21 e 22 de novembro de 2006.
141
Neste caso, trata-se de uma terra "fajuta", diz o atual secretário do Ensino
Superior do governo paulista, vendida por um estelionatário, e que acabou se
perpetuando na declaração de Imposto de Renda.
[...]
O deputado Aelton Freitas informou por meio de sua assessoria que a
informação contida na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral "não é
verdadeira": o imóvel de 100.000 alqueires em Altamira possui, na verdade,
1.000 alqueires, conforme consta de sua declaração ao Imposto de Renda - o que
elevaria o valor do hectare a R$ 8. A assessoria de Adão Pretto também alegou
"erro de digitação" na declaração de uma terra de 20 hectares por R$ 2,92, ou
R$ 0,15 o hectare.8
Vale notar que o rio Carajari fica inteiramente dentro da Resex Rio Iriri
ou da Esec da Terra do Meio. A área onde houve a apropriação das terras pelo
parlamentar é disputada entre JV, Gilberto L. Resende e, anteriormente,
também pelo Grupo Sul do Pará, como dito anteriormente.
Conhecer o caminho percorrido por essas terras até chegar à declaração
de bens do deputado federal pode ser também o caminho para se desvendar
uma importante rede de grilagem na região.
8 CASTILHO, Alceu Luís. Deputado tem fazenda por apenas R$ 40 mil. 17/fev./2007. Dissponível em
www.folhadaregiao.com.br/noticia?62392&PHPSESSID=d18b36d9a8602fce107ca6d6f850379a, acessado
em jan.2008.
142
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