Thursday, 10 March 2016

CASTANHA NAPRA

Prólogo
Nestes mais de 20 anos de NAPRA, um dos trabalhos mais constantes e com maiores resultados desenvolvido nas comunidades foi o de Fortalecimento da Cadeia de Valor da Castanha-do-pará. Na última safra, apoiamos a organização comunitária da produção da castanha na Reserva Extrativista do Lago do Cuniã a constituir um estoque de cerca de 20 toneladas, envolvendo neste processo mais de 20 famílias que aumentaram sua renda anual.  O produto, que costuma valer menos de R$ 1,00/kg na região, passou a R$3,00/kg na mão do extrativista após a implementação do projeto.

BOX: A Castanha
A Castanheira – que tem o nome científico de Bertholletia excelsa – é uma das maiores árvores da Amazônia, podendo apresentar mais de 4 m de diâmetro e 50m de altura, podendo viver mais de 500 anos. Por muitos é considerada a árvore símbolo da floresta. A produção de seus apreciados frutos está relacionada a uma complexa teia ecológica em que a espécie depende da cobertura florestal ao seu redor para a ocorrência de polinização, fator este que a inviabiliza em plantio homogêneo convencional. Ou seja, todas as castanhas que comemos são produtos da floresta, frutos destas árvores centenárias. Consumir castanha não é apenas saudável, mas uma forma positiva manter a floresta em pé valorizando seus produtos!

Devido sua abundância por quase toda a Amazônia, hoje a castanha pode ser considerada como o principal produto extrativista florestal não-madeireiro da região Amazônica, e tem ocupado lugar central nos modelos de uso do solo alternativos aos usos que promovem o desmatamento, como a monocultura intensiva de soja e a criação extensiva de gado bovino. Em Unidades de Conservação de Uso Sustentável, como é o caso da Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, a atividade da coleta da castanha é uma chave na busca pela sustentabilidade econômica destas áreas.
Contudo, para que as comunidades coletoras de castanha deixem de ser exploradas como acontece secularmente e passem a receber por seus esforços de trabalho uma parcela justa do valor distribuído na cadeia produtiva da castanha são muitos os desafios a serem enfrentados.
A maior parte das comunidades tradicionais extrativistas habita lugares isolados de difícil acesso. Nesta condição grande parte delas vive até hoje dependente dos atravessadores para comercializar sua produção. Como única opção de venda para os extrativistas, os atravessadores determinam os preços desse mercado.
Desta forma, os produtores, que realizaram todo exercício produtivo, são explorados da mesma maneira que no tempo do patrão da empresa seringalista recebendo por seu produto um preço vil bastante inferior ao do mercado no centro consumidor.
Devido a esta situação a atividade da coleta de castanha vem sendo gradualmente substituída por ocupações modernas mais leves e/ou mais rentáveis, buscadas muitas vezes através do êxodo rural. Quando uma área de castanhais nesta condição frágil é alcançada pela frente de progresso, a conversão destas áreas em outras alternativas de uso do solo menos compatíveis com a manutenção da floresta (como por exemplo o monocultivo de soja e a criação extensiva de gado bovino) ocorre naturalmente.

     A cadeia da castanha na RESEX Lago do Cuniã
            Na região do Baixo-Madeira a coleta da castanha é uma atividade tradicional  que iniciou nos princípios do século XX, integrado ao ciclo da Borracha.
Na RESEX Lago do Cuniã e entorno existem mais de 40 castanhais (lSantos, 2011), com capacidade produtiva estimada em mais de 120 toneladas. Atualmente os castanhais mais distantes das moradias encontram-se abandonados devido à desvalorização local do produto, que poucos anos atrás dificilmente chegava a R$1,00/kg. O trabalho da coleta da castanha envolve hoje mais de 30 famílias, que até a poucos anos comercializavam seu produto para os dois únicos atravessadores locais por preços bem abaixo do valor de mercado em Porto Velho.
             O NAPRA e a cadeia de valor da castanha
            O NAPRA começou a desenvolver o trabalho de fortalecimento da cadeia de valor da castanha em São Carlos do Jamary e RESEX Lago do Cuniã em 2005. A partir da demanda dos extrativistas, a equipe NAPRA começou um diálogo sobre as possibilidades de melhoria na produção e preço do produto. Assim, foi sendo  desenhado um trabalho gradual de empoderamento dos extrativistas, através da construção do entendimento destes  sobre a cadeia de valor da castanha como um todo, e a necessidade de parcerias e de união comunitária para atingir melhores condições de produção e venda. Estas ações foram amparadas pela dedicação de naprianos ao entendimento profundo do modo de vida dos extrativistas, sua relação com a floresta e o seu processo de envolvimento com o projeto (Candido, 2010; Santos 2011). Assim, despontou em 2008 um embrião de uma organização coletiva para a produção e comercialização do produto, a qual se apelidou de "Grupo da Castanha", e que em 2010, se formalizou como associação independente – a Associação Arte e Castanha de São Carlos do Jamary e Cuniã.
Desde 2006, foram trabalhadas diversas capacitações em boas práticas de produção e realizados intercâmbios com outras comunidades em estágios mais avançados de desenvolvimento da cadeia produtiva (COVEMA em Manicoré - GET, 2007; Associação do Povo Indígena Zoró em Jiparaná – NAPRA, 2013).
Em 2012, assessorada pelo NAPRA, a Associação acessou recurso para a construção de um galpão de armazenamento da castanha através de um edital da CESE (Coordenação Ecumênica de Serviço).

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No ano de 2013, o único fator que preveniu a formação de um estoque substancial para a comercialização coletiva na entressafra foi a falta de capital de giro[1]. Ainda assim, duas famílias conseguiram formar um estoque de 2 toneladas que pôde ser comercializado na entressafra pela associação por um preço de R$28,00/lata, substancialmente maior que o oferecido pelos atravessadores durante a safra (R$11,00/lata).
No ano de 2014, com um pequeno capital de giro emprestado por pessoas apoiadoras foi possível com a participação de mais de 10 famílias castanheiras formar um estoque coletivo de mais de 2 toneladas. Neste ano cada família recebeu da associação no momento da entrega de sua produção o mesmo valor oferecido pelos atravessadores - R$20,00/lata. Após a comercialização pela associação foi paga uma diferença de R$10,00/lata, o que compôs um preço local inédito de R$30,00/lata na mão do extrativista.
Para expandir os benefícios da prática de formação de estoque e comercialização coletiva e abranger a maior parte da produção local de castanhas, os castanheiros da RESEX do Lago do Cuniã, assessorados pelo NAPRA, lograram acessar o programa PAA CPR estoque, da CONAB. Este programa disponibiliza recursos para utilização como capital de giro para viabilizar a formação de estoque de organizações de agricultores familiares e extrativistas para comercialização posterior em períodos economicamente mais favoráveis.

Tendo em vista às técnicas de armazenamento de grandes quantidades de castanha e à gestão administrativa do empreendimento coletivo, em 2013 foi realizado um intercâmbio para capacitação para operacionalidade de formação e comercialização de estoque com a Associação do Povo Indígena Zoró (APIZ), que desde 2006 vem acessando o PAA CPR estoque, armazenando e realizando com sucesso a comercialização da produção da castanha local por um preço justo.
                        Intercâmbio com o Povo Zoró – Jiparaná/2013
Desta forma pudemos formar um estoque de quase 20 toneladas e envolver mais de 20 famílias no processo que obtiveram um preço 100% maior por sua produção.
            Esta ação resultou que 3 dos castanhais mais distantes foram reativados por grupos de famílias que se organizaram para sua exploração. Também está sendo discutida a possibilidade de um grupo de jovens começar a explorar o castanhal Terra Firme – um maiores castanhais da Resex, mas bastante distante das comunidades.
            Desta forma as famílias melhoraram sua qualidade de vida através do aumento da geração de renda; a comunidade do Cuniã adquiriu maior controle sobre seu território voltando a frequentar os castanhais distantes; os jovens, categoria que nos últimos anos apresentou uma grande taxa de êxodo para cidade, está recebendo oportunidades para permanecer na Reserva.
BOX:   Este é o trabalho que o NAPRA vem desenvolvendo: promovendo alternativas sustentáveis de geração de renda, aumentando a renda das famílias extrativistas e gerando a emancipação das comunidades.

Santos, R. R. 2011. O extrativismo de castanha-do-Brasil Bertholletia excelsa (Humbl. & Bonpl.) No Rio Madeira, Rondônia: Bases Para Uma Gestão Ambiental Participativa. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de São Carlos. lhttp://www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4422
Candido, S. E. A. 2010. COMUNIDADES RIBEIRINHAS, ENGENHEIROS E CONSERVAÇÃO DA FLORESTA: CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO ESPAÇO TECNOLÓGICO EM  EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS NA AMAZÔNIA. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos. http://www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3585

Reunião da associação de castanheiros para prestação de contas e repasse do saldo da venda da castanha





Processo de construção do Paiol de castanha financiado pela CESE



Acompanhamento da entrega da castanha para o estoque





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